sexta-feira, 2 de abril de 2021

 DIVULGAÇÃO


O nascimento de um bebê impacta fortemente a vida de um casal, sejam pais de primeira viagem, sejam os mais experientes. Uma perspectiva romântica na construção da família tem origem na ideia de que duas pessoas que se amam são responsáveis pela felicidade um do outro, as metades das laranjas, as almas gêmeas, e o filho seria a coroação desse relacionamento. O fato é que, em muitos casos, o nascimento está mais para um belo drama. 

Os primeiros anos da vida do bebê são um período especialmente crítico. E o principal motivo está relacionado às demandas de cuidado frente aos comportamentos naturais do novo membro da família e à maneira como nos estruturamos socialmente. Encontrar um ponto de equilíbrio entre as necessidades inerentes à nossa espécie e às rotinas impostas pela organização social é um desafio. Refletir sobre isso é a única maneira de evitar que os bebês, tão sensíveis, paguem o preço dessa conta. 

Um exemplo muito claro dessa pressão social sobre comportamentos está relacionado ao sono do bebê. O padrão de sono infantil é muito diferente do padrão de sono de um adulto. De forma resumida, o sono dos bebês é composto pelo sono “REM” (uma fase mais ativa do sono em que o bebê se mexe, resmunga, choraminga ou muda de lado) e pelo sono “não REM” (uma fase de sono mais calmo). E, para passar de um ritmo de sono para outro, os bebês apresentam o que chamamos de “sono de transição”. Durante toda a noite, há alternância entre esses tipos de sono.

Cada ciclo pode durar de 90 a 110 minutos, e, quanto menor a idade, mais curto o ciclo. Em alguns momentos, a criança terá um pequeno despertar, irá abrir os olhos e procurar os pais. Ao nascer, a proporção entre sono “REM” e “não REM” é de meio a meio. À medida que o bebê cresce, a duração da fase mais ativa e agitada vai diminuir e os ciclos ficarão mais longos. Em poucas palavras, comparando com os adultos, os bebês têm ciclos de sono mais curtos e mais tempo de sono agitado e leve. Ao nascer, o bebê dorme muito durante o dia e à noite. Com o tempo, o sono vai se tornando predominantemente noturno, com o desaparecimento gradual das sonecas diurnas.

Para adormecer, a criança precisa se sentir segura. E, obviamente, essa segurança significa o colo, o peito, a presença dos pais. É um instinto de preservação que nos acompanha desde os primórdios.

Do outro lado, encontramos pais exaustos. Mas isso está relacionado com a rotina que criamos, e não com o nosso desenvolvimento neurofisiológico natural. Entretanto, vivemos um problema quando tentamos tratar o não tratável, curar um problema que não existe e modificar um comportamento natural. 

Não há como “treinar” o sono dos bebês. A médica australiana Pamela Douglas conseguiu provar que bebês submetidos a algum tipo de treinamento de sono, antes dos 6 meses de idade, podem sofrer desmame precoce.

Interferir no padrão natural de sono do bebê implica em vários ciclos de sono sequenciados, sem solicitação dos pais. O bebê irá mamar menos vezes e o seio materno será estimulado muito menos na madrugada. Vale lembrar: quanto mais o bebê suga, mais leite é produzido. Quanto menos suga, menos leite haverá no dia seguinte.

Para muitas mulheres, fartas em leite, a produção menor pode não fazer diferença na amamentação. O bebê continua mamando bem de dia e ganha peso satisfatoriamente. Para outras, o resultado pode ser outro. A pouca estimulação leva à baixa produção de leite com inquietação do bebê durante as mamadas, choro e baixo ganho de peso. 

Outra questão é que o leite materno noturno é rico em substâncias que são auxiliares no sono do bebê. E se o bebê ingere menos deste leite, pode ter um sono mais agitado, apesar de todas as técnicas ensinadas.

Os treinamentos de sono sugerem que o bebê permaneça no berço, porém, para o bebê, estar longe dos pais pode ser percebido como ameaça à sua sobrevivência. E o choro não atendido pode levar a um estado de hiperativação do corpo da criança, com liberação de hormônios do estresse que aumentam a frequência cardíaca, dilatam a pupila, elevam a respiração, causam suor. 

Deixar de atender aos “chamados” do bebê leva ao desamparo aprendido, com impactos para toda a vida, ensinando a criança a se acostumar com situações ruins sem motivação para buscar ajuda. Acolha sempre seu bebê. 

Os “consultores de sono” sugerem que esse contato com a criança é prejudicial ao sono. Assim como não recomendam embalar ou deixar dormir no peito ou no colo. Não faz sentido. Tentar sobrepor tabelas de sono e tempos determinados de sonecas a comportamentos instintivos é uma falácia que leva as famílias a pensar que seus bebês são doentes, que têm problemas, distúrbios graves, ou que não são bebês “normais”. 

Procure refletir sobre essas questões – e tenha uma boa noite!

 


Marcio André Bosse - psicólogo, especialista em desenvolvimento infantil (Instagram: @papaimarcio)


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