Conteúdo mentiroso que circula na internet deixou de ser inofensivo como as pegadinhas de 1º de Abril. No Brasil, produzir ou compartilhar fake news tem implicações legais
O mundo é
digital. As reuniões são online. Os encontros, virtuais. O trabalho, remoto. No
século 21, as mentiras também deixaram de ser analógicas. As pegadinhas antes
tradicionais em 1º de abril ganharam uma versão “moderna” com as fake news
contadas instantaneamente pela web para milhões de pessoas, todos os dias. O
problema é que elas não são inofensivas como as brincadeiras do Dia da Mentira.
Quem faz o
alerta é a doutora em Direito Penal pela Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (UERJ), Mariel Muraro, professora dos cursos de Direito e Criminologia
do UNICURITIBA. Especialista em Criminologia Crítica, ela diz que, guardadas as
devidas proporções, é possível dizer que as fake news são as mentiras da era
digital. “O agravante é que elas têm uma amplitude maior pela facilidade de
divulgação por meio das redes sociais e do compartilhamento.”
Atualmente,
três em cada quatro brasileiros têm acesso à internet, de acordo com o Centro
Regional para o Desenvolvimento de Estudos sobre a Sociedade da Informação, um
departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) ligado
ao Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br). Isso significa que 75% da
população está exposta a notícias falsas e aos danos que elas podem causar.
A professora
explica que as pessoas acessam e acreditam nas fake news porque a linguagem
utilizada nas mensagens é de fácil compreensão, com chavões, ideias “simples” e
temas atuais, que estão na pauta do dia. “Além disso, o assunto atinge sentimentos
pessoais, como o medo, a ansiedade, a necessidade, o senso de pertencimento a
um grupo ou uma explicação singela para aquele tema em pauta.”
É justamente
por inspirar “medo, desgosto ou surpresa”, ao
passo que as notícias verdadeiras causam sentimentos como "expectativa,
tristeza, alegria ou confiança", que as fake
news se espalham tão rapidamente. A conclusão é de um estudo feito por
pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados
Unidos.
De acordo
com a pesquisa, as notícias falsas se espalham 70% mais rapidamente do que as
verdadeiras: enquanto cada postagem verdadeira atinge, em média, mil pessoas,
as falsas ganham popularidade rapidamente, podendo chegar a 100 mil pessoas de
forma veloz pela internet.
O que diz a
legislação brasileira
Com atuação nas áreas de
Direito Penal, Direito Processual Penal, Execução Penal e Criminologia, Mariel
Muraro esclarece que ainda não existe uma lei vigente no país para disciplinar
o uso e disseminação das fake news. “O que temos é o Projeto de Lei nº
2.630/2020, do senador Alessandro Vieira (CIDADANIA/SE), já aprovado pelo
Senado e agora em tramitação na Câmara de Deputados. O projeto trata de temas
como a liberdade, a responsabilidade e a transparência na internet, com o
objetivo de combater o crescimento das notícias falsas”, explica.
Isso não quer dizer que
a produção e compartilhamento de informações inverídicas não sejam punidos. A
professora do UNICURITIBA informa que, dependendo do conteúdo, pode haver
responsabilização pelas leis já vigentes no Brasil, seja de natureza cível,
penal, eleitoral ou administrativa.
“Se for difamação ou
calúnia, quem divulgou a mensagem inicialmente, bem como os demais que a
compartilharam, podem responder civil e penalmente, obtendo condenações como
reparação de danos ou até mesmo penas restritivas de direito, como pagamento de
cestas básicas ou prestações de serviços à comunidade.”
No caso de fake news com
conteúdo racista, continua a especialista em Criminologia Crítica, pode haver
responsabilização civil e penal, chegando às penas privativas de liberdade. “Há
uma infinidade de dispositivos para eventual enquadramento na apuração das fake
news, mas depende essencialmente do conteúdo da notícia falsa que foi divulgada.”
“O Brasil já teve inúmeros casos de condenação, incluindo youtubers famosos, políticos e cidadãos comuns. Normalmente, essas condenações são de cunho cível, determinando o pagamento de indenizações e retirada do conteúdo do ar”, lembra Mariel.
Educação e fiscalização
Mestre em Direito, a
professora do UNICURITIBA lembra que não é fácil conter o avanço das fake news.
“A solução está na educação para lidar com o mundo da internet, além de
mecanismos tecnológicos de combate às notícias falsas, exigindo dos próprios
provedores de internet que façam esse controle, fiscalizem e retirem do ar as
fake news, assim que identificadas.”
Uma iniciativa positiva tem sido a criação de grupos e páginas na web
para denúncias e consultas. No Brasil, a Agência Lupa – que também administra a
plataforma Fake ou News em parceria com o Canal Futura e apoio da Google – foi
a primeira organização especializada na checagem e combate de notícias falsas.
No ano passado, uma
parceria entre o TRE-PR, o Instituto Mais Cidadania e o UNICURITIBA resultou no
lançamento do aplicativo “Fake ou News: Eleições”. Disponível em IOS e Android,
o app ajuda os brasileiros a entender o processo eleitoral e a reconhecer
informações erradas.
Para não cair na
armadilha das falsas informações, a professora Mariel Muraro diz que o primeiro
passo é buscar canais confiáveis de notícias e não acreditar em tudo o que lê
nas redes sociais. “Antes de compartilhar qualquer informação é importante
pesquisar na própria internet e confirmar a veracidade do conteúdo. Só depois
encaminhar a outras pessoas de forma segura”, orienta. Ao identificar um
assunto falso, a recomendação é avisar imediatamente ao remetente para que ele
suspenda o compartilhamento.
Imagens: Pixabay/ divulgação
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