O cirurgião-dentista, muitas vezes, é o primeiro profissional a notar o problema devido às consequências da disfunção alimentar à saúde da boca
Transtornos alimentares afetam 4,7% da população
brasileira, é o que mostra a Organização Mundial da Saúde (OMS). Entre os
jovens, o número é ainda maior, alcançando os 10%. A condição é de saúde
mental, por isso abordar o assunto no mês da campanha de conscientização
Janeiro Branco é tão necessário, mas, mesmo que se tratem de patologias
psicossomáticas, os impactos não afligem somente à saúde emocional e
psiquiátrica, afetando, inclusive, a saúde bucal.
O alerta à sociedade é dado por especialistas das
câmaras técnicas do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP).
“Atualmente, são 12 transtornos alimentares classificados, sendo a bulimia e a
anorexia as mais conhecidas. Por serem doenças consideradas ‘secretas’, os
pacientes não costumam relatar na consulta odontológica que apresentam algum
tipo de transtorno alimentar. Mas, o cirurgião-dentista pode ser o primeiro
profissional a fazer o diagnóstico e encaminhar o paciente para o tratamento
psiquiátrico”, explica Juliana Bertoldi Franco, membro das câmaras técnicas de
Odontologia para Pacientes Especiais e de Odontologia Hospitalar e cirurgiã-dentista
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP).
E por que os cirurgiões-dentistas podem ser os
primeiros a notar o problema? A grande maioria dos transtornos implicam em
restrições alimentares e indução ao vômito, como é o caso da anorexia, bulimia
e compulsão alimentar. Com isso, os sinais aparecem logo na boca: mucosa oral
mais pálida ou avermelhada, indicando desnutrição ou deficiência de vitaminas;
erosão do esmalte dos dentes, principalmente na parte interna; abrasão mecânica
pela escovação excessiva; bruxismo; gengivite; candidíase oral; lesões
ulceradas; dores na articulação temporomandibular, responsável pela ligação da
mandíbula com o crânio; entre outros. “O vômito provocado corresponde a cerca
de 80% a 90% dos casos. É um dos processos mais destrutivos. A regurgitação
crônica de conteúdo do ácido estomacal leva com frequência a uma distribuição
típica de erosão dental dentro das arcadas dentárias”, explica o presidente da
Câmara Técnica de Endodontia do CROSP, Professor doutor Miguel Haddad.
"Além dos problemas endodônticos, como hipersensibilidade, alterações
cálcicas e degenerativas, pulpite e necrose pulpar", completa o
cirurgião-dentista.
E esses não são os únicos sinais. "Geralmente,
o paciente busca ajuda motivado pela dor, além do fato de que a indução
frequente de episódios de vômitos pode ocasionar um aumento de volume das
glândulas salivares e das glândulas parótidas, denominadas sialoadenose e
sialose, levando a nítida deformidade facial com característica de rosto
inchado e mandíbula quadrada que podem ser observados em 37% dos anoréxicos e
em 53% dos bulímicos", explica Ciro Garone, que também é membro da Câmara
Técnica de Endodontia do CROSP.
O tratamento de qualquer paciente portador de
doença psiquiátrica deve ser realizado de forma humanizada e de acolhimento
para gerar vínculo e observar as principais demandas odontológicas. “A atuação
deve acontecer em caráter multiprofissional, com médico psiquiatra,
cirurgião-dentista, psicólogo, nutricionista, assistente social, terapeuta
ocupacional e fisioterapeuta. Hoje, sabemos que o sucesso do tratamento de
várias patologias só ocorre quando temos um grupo de profissionais
especializado atuando conjuntamente”, defende Juliana.
Para Haddad, o acompanhamento ainda deve ser
mantido sob certa constância. "O tratamento restaurador definitivo só deve
ser efetuado quando o paciente encontra-se psicologicamente estabilizado",
afirma.
Números na pandemia
Ainda não é possível apontar com certeza quais serão as sequelas
odontológicas deixadas pela pandemia, nem mesmo os resultados a longo prazo do
desgaste mental e do sofrimento emocional nas disfunções alimentares devido ao
isolamento e ao estresse. Mas, os efeitos já começam a ser estudados, como é o
caso de uma análise da Universidade de Oxford que acompanhou pessoas infectadas
pela Covid-19 e identificou maior risco de ansiedade, depressão, insônia e
demência de 14 a 90 dias após a doença, condições que, muitas vezes, acompanham
o transtorno alimentar.
“Acredito que devemos ter um impacto grande na
saúde bucal nesse grupo de pacientes devido ao aumento da ansiedade e do uso
das redes sociais por conta do isolamento social, o que reflete diretamente no
aumento da ansiedade e na questão da autoimagem, ponto tão sensível do paciente
com disfunção alimentar”, conta também Juliana.
Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP)
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