O que diferencia os seres humanos dos outros animais é a consciência, a capacidade de raciocínio e compreensão de si e do ambiente. É a partir desta qualidade exclusiva que desenvolvemos a noção de tempo, de finitude, ou seja, de começo, meio e fim. Na modernidade, o conceito de tempo se transformou: o que antes era circular – uma reprodutibilidade da vida –, passa a ser propriedade do homem, no qual é possível ter a liberdade para criar, desenhar o próprio destino, passando o plano de vida a ser de sua responsabilidade e trazendo o dever de fazer algo com a existência. O que, por sua vez, gera uma extrema angústia. Seria ousaria dizer que essa é a maior angústia moderna, uma das causas mais frequentes do sofrimento psíquico e do adoecimento da mente?
Sendo assim, foi preciso desenvolver ferramentas
para auxiliar nesta árdua tarefa de desenhar a vida. Uma das primeiras
ferramentas que utilizamos foi o ano solar, essa uma volta – 365 dias que levam
para completar um ciclo de estações na Terra – é um ciclo estável da natureza e
passou a ser a maior referência do homem. Um período de começo, meio e fim para
que haja a possibilidade de estabelecer planos e projetos. Recorremos, também,
aos rituais para estabelecer conexões com o tempo e, um dos maiores rituais da
humanidade, no qual todas as “raças” e “credos” estão unidos, é a celebração do
Ano Novo, do próximo ciclo que está por vir, da página em branco que apazigua a
alma e traz a ideia de que podemos fazer diferente, melhor! Pode parecer
meramente simbólico, mas a grande valia do simbolismo é não ser nem verdadeiro,
nem falso, mas uma ferramenta de ancoragem, de ordenação e no caso do
“Réveillon” de esperança.
O ritual nos ajuda a elaborar e nos fortalece para
seguirmos em frente. A renovação do calendário mexe com o nosso psiquismo e
somos encorajados a projetar mudanças que vínhamos adiando, ou que não
priorizávamos na rotina – pois, a prática do dia a dia é a de obedecer ao
desejo do outro, a vontade da sociedade. É como se recebêssemos a chance de
melhorar o entrosamento conosco mesmo, de entrar em contato com seu eu interno
e suas necessidades e vontades reais; e, assim, fazer uma reorganização para
alcançá-las. Porém, na maioria das vezes, essa ritualização é realizada de uma
maneira hiperidealizada, acreditando que a “magia do ano novo” torne o 1º de
janeiro algo bem diferente do que foi o dia 31 de dezembro. Quando isso
acontece, ao invés de fortalecimento após o período de euforia da celebração,
aparece a ansiedade ou o aumento dela, a desilusão, entre outras sentimentos
que podem levar ao aparecimento ou agravamento de doenças psíquicas.
A “magia” de 2020 para 2021 materializa-se na
vacina, afinal o mundo parou por causa de um vírus. Cidades fecharam, ruas
ficaram vazias, famílias tiveram que se isolar, pais, avós, amigos só pela
tela. Nossa realidade foi abruptamente modificada, perdemos mais seres humanos
que na Segunda Guerra Mundial e a sociedade, que já apresentava altíssimos
índices de sofrimento psíquico, passa a enfrentar uma crise global de saúde
mental (como foi denominada pela Organização das Nações unidas em seu alerta em
maio de 2020).
Um ano que provocou mais medo, aumentou a
preocupação excessiva e a falta de concentração, como pudemos notar na primeira
etapa da pesquisa “Sociedade de Vidro na Pandemia” conduzida por nós, do
Instituto Bem do Estar – em parceria com a NOZ Pesquisa e Inteligência –, não poderia
deixar de despertar esse sonho mágico. Mas, infelizmente, as vacinas não são
milagrosas e apesar da aprovação ainda não sabemos quando uma outra “nova
realidade” irá chegar. Sabemos que, por enquanto, vamos continuar mantendo
todos os cuidados, ou seja, usar máscaras, “tomar banho” de álcool em gel,
manter o distanciamento social e, acima de tudo, cuidar da saúde da mente.
Pois, sem esse cuidado, não é possível sonhar, planejar e realizar.
O primeiro passo para cuidar da saúde da mente e
conseguir controlar a ansiedade, o estresse e os sentimentos que levam a
depressão é ter a coragem de olhar para dentro. O autoconhecimento é a chave
mais poderosa para transformar a realidade dolorida. Assim como muitos
brasileiros tiveram a oportunidade de olhar um pouco mais para seus sentimentos
e emoções com a pesquisa* - que acaba de encerrar a segunda etapa, que teve
como foco a nova realidade que se instaurou após oito meses de pandemia – você
também pode parar, desconectar do externo e conectar-se com você mesmo, notando
quais sentimentos passam por você. Esse olhar é muito semelhante àquele
encontro com seu eu interno de Ano Novo, mas, lembre-se, sem julgamento, sem
ser um acerto de contas consigo onde são traçadas metas irreais e/ou esperado
por acontecimentos hiperidealizados – os quais somente irão desencadear mais
ansiedade, frustração e culpa.
*Os dados colhidos serão apresentados no book
“Sociedade de Vidro na Pandemia” que contará com a comparação dos dados
levantados e uma análise propositiva do impacto da pandemia na saúde da mente
da população brasileira, realizada por especialistas convidados. O book será
público e está previsto para o início do segundo trimestre deste ano.
Isabel Marçal -
especialista em gestão de projetos sociais, com 15 anos de experiência no setor
de Impacto Social, à frente da gestão de organizações. Atualmente cursa
psicanálise e é presidente e cofundadora do Instituto Bem do Estar. Apaixonada
pela vida, seres humanos e suas relações. Sonha com uma sociedade mais saudável
e justa, por isso, acredita que o primeiro passo esteja na consciência
individual de cada ser humano.
Instituto Bem do Estar
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