Entrou em vigor essa semana a reforma na Lei de Recuperações e Falências. O texto traz muitos avanços em relação à redação atual, que é de 2005. As mudanças foram tão amplas, que a comunidade passou a se referir à Nova Lei de Recuperações e Falências, mesmo que não se trate efetivamente de uma nova lei ou novo sistema, dado o grande número de alterações na lei existente.
Um
primeiro ponto de inovação que a reforma trouxe é o do ajuste do procedimento
para torná-lo mais ágil e menos sujeito a suspensões e loopings. Uma lei nunca é um
fato isolado; ela se insere num sistema jurídico e com ele interage. Por esta
razão, a forma do procedimento na redação original da Lei acabava por resultar
num processo moroso e prejudicial tanto à superação da crise pelas empresas
quanto da recuperação de ativos pela coletividade de credores.
A
agilidade no procedimento foi buscada não somente na mudança de prazos dentro
do rito, mas também com a ampliação das possibilidades de negociação; ou com a
maior agilidade para o retorno do empresário falido ao mercado, dando ênfase ao
empreendedorismo como um valor econômico. Dessa forma, a economia será
favorecida, já que o processo será potencialmente mais rápido e visará manter a
atividade econômica em movimento naquilo que for viável e racional.
Originalmente,
um processo de recuperação de empresas foi pensado para durar aproximadamente
de três a seis meses, até a aprovação do Plano de Recuperação. Ocorre que, na
prática, em razão do Sistema Processual e Judiciário Brasileiro, existem muitos
casos de recuperações que ultrapassam o prazo. E, na grande maioria destes
casos, podia-se observar também uma longa suspensão de ações e de outras
iniciativas dos credores para tentar reaver seu crédito.
A
nova Lei, tentando corrigir estas distorções com relação à suspensão de prazo
traz que em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e
oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação,
excepcionalmente prorrogável sem culpa da recuperanda. Contudo, não é afastada,
de imediato, através do Poder Geral de Cautela, o Judiciário prorrogar a
suspensão para além do prazo da nova regra.
Um
ponto positivo da nova Lei é que o Brasil parece finalmente sair do isolamento jurídico,
aumentando as garantias às empresas com negócios transnacionais, que passam a
ser disciplinados em conformidade com a Lei Modelo da UNCITRAL. Já em 2005,
quando da aprovação da redação original, a omissão do tema da insolvência
transfronteiriça foi alvo de muitas críticas. Uma correção que é feita nesse
momento e torna o país mais atraente para empresas que realizam negócios além
das fronteiras brasileiras.
Uma
das inovações mais esperadas e celebradas, que também havia sido negligenciada
na redação original, diz respeito ao DIP
Financing, uma modalidade de financiamento especial para empresas
que estão em processo de recuperação judicial. Seu objetivo é fomentar a
concessão de crédito para que a empresa recuperanda mantenha suas operações.
Com as mudanças, o pagamento desse financiamento passa a ser prioridade caso a
recuperanda se torne insolvente e venha a falir, possibilitando maior
atratividade da oferta de crédito em situação de distressed.
Mais
um aspecto positivo é o reconhecimento e o estímulo dos mecanismos de Mediação
e Arbitragem. A partir de agora, a mediação entre a recuperanda e seus credores
é estimulada em qualquer fase do procedimento, o que reduz a pressão
sobre a decisão do juiz, buscando uma forma de composição mais coerente com a
lógica do mercado, já que credor e devedor poderão buscar formas de negociação
mais economicamente racionais para ambas as partes do que seria eventualmente
uma sentença judicial com mera aplicação da regra jurídica desprovida do feeling do negócio.
O tratamento
das dívidas tributárias das recuperandas também foi objeto de reforma. Com
relação ao patamar de “deságio”, houve aumento de seu percentual máximo para as
grandes empresas. O prazo de parcelamento especial tributário para empresas em
recuperação também foi ampliado de no máximo sete anos para no máximo dez anos.
Embora tenha sido uma ampliação em favor da recuperanda, não é possível afirmar
se tal ampliação será suficiente, posto que o parcelamento não exclui o
pagamento dos tributos correntes das empresas recuperandas e precisa estar
harmonizado com o fluxo de caixa projetado no Plano de Recuperação.
O
consenso entre os juristas sobre o tratamento tributário da empresa recuperanda
- se é que existe um firme consenso - é de que os prazos e deságios previstos
farão sentido quando a arrecadação tributária passar por uma reforma também,
tornando ágil e contemporânea a cobrança de tributos, afastando uma prática
nefasta de suspensão de pagamentos destes ao menor sinal de crise numa empresa.
Assim, com a aprovação da reforma da Lei de Recuperações e Falências é
imperioso que se faça a Reforma Tributária, fazendo o Sistema Jurídico mais
coeso e menos sujeito a falhas endógenas.
Um
aspecto bastante celebrado pelo meio jurídico é a disciplina do chamado fresh start – que poderia
ser traduzido por recomeço, que, de certa maneira, dissocia a pessoa do
empresário da empresa insolvente, privilegiando o empreendedorismo, entendendo
que aquela empresa, compreendida como atividade econômica organizada sobre os
fatores de produção, se tornou inviável e faliu.
Em
suma, a nova Lei apresenta avanços bastante significativos, buscando condições
mais condizentes com os problemas e percalços que apareceram por aplicação da
redação originária, mas, ao mesmo tempo, acabou perdendo a oportunidade de
promover outras reformas já muito pedidas pela comunidade jurídica. Cabe a nós,
continuar lutando por reformas contínuas, entendendo que as empresas e o
mercado são realidades dinâmicas e que o constante monitoramento e aperfeiçoamento
de suas regras são favoráveis a toda sociedade.
Jayme Petra de Mello Neto - advogado do escritório Marcos
Martins Advogados e especialista em Direito cível e societário.
Marcos Martins Advogados
https://www.marcosmartins.adv.br/pt/
Nenhum comentário:
Postar um comentário