Os queixadas (Tayassu pecari) são porcos-do-mato que vivem em bandos de 50 a 100 indivíduos e comem um pouco de tudo, mas na Mata Atlântica têm preferência pelos frutos da palmeira juçara (Euterpe edulis). A grande produtividade da juçara, porém, provavelmente só é possível porque os animais fazem uma eficiente “adubação” do solo. As enormes quantidades de fezes e urina que catetos, antas, queixadas e outros animais que se alimentam de frutos deixam no chão liberam formas de nitrogênio, importante elemento para o crescimento das plantas.
Um
estudo apoiado pela FAPESP, publicado na
revista Functional Ecology, mostrou que em áreas livres desses
grandes mamíferos a quantidade de amônia, uma forma de nitrogênio no solo, era
até 95% menor. Os resultados mostram, pela primeira vez, a importância dos
grandes mamíferos também para o ciclo de nitrogênio nas florestas tropicais e é
mais um alerta sobre os riscos da perda desses animais.
“Qualquer
produtor rural sabe que é preciso nitrogênio no solo para uma boa
produtividade. Estudos em outros ambientes já mostraram que a presença de
ruminantes estimula o crescimento de gramíneas, por conta do aporte de
nitrogênio dos excrementos e pela otimização da atividade dos microrganismos
envolvidos na ciclagem desse nitrogênio no solo. Mostramos agora que o mesmo
efeito ocorre em florestas tropicais com grandes mamíferos frugívoros”,
disse Nacho Villar,
primeiro autor do artigo e bolsista de pós-doutorado da
FAPESP no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista
(IB-Unesp), em Rio Claro.
O
estudo mostra ainda que esses animais redistribuem o nitrogênio, fertilizando
áreas que sem eles seriam muito pobres desse elemento e, portanto, com baixa
produtividade vegetal. Os pesquisadores estimaram que, com os grandes
mamíferos, esses locais recebem quatro vezes mais amônia e 50 vezes mais
nitrato, em comparação a áreas sem essa fauna.
O
estudo integra o projeto “Consequências ecológicas da defaunação na Mata Atlântica”,
coordenado por Mauro Galetti, professor do
IB-Unesp, no âmbito do programa BIOTA-FAPESP.
Atualmente, Villar realiza estágio de pós-doutorado no Centro de
Ecologia dos Países Baixos (NIOO).
Para chegar aos resultados, os pesquisadores utilizaram parte do maior experimento de exclusão de grandes mamíferos da América do Sul. Trata-se de 86 parcelas de floresta de 15 metros quadrados no Parque Estadual da Serra do Mar. Metade delas é cercada desde 2010, impedindo a entrada de grandes mamíferos. Nas outras áreas demarcadas, todos os animais transitam livremente. Uma amostragem das áreas conta com armadilhas fotográficas, que comprovam a presença ou ausência de queixadas, catetos (Pecari tajacu) e antas (Tapirus terrestres), entre outro
Microrganismos,
amônia e nitrato
No
estudo atual, foram analisadas amostras de solo de oito parcelas cercadas e
oito abertas, colhidas na estação chuvosa e na seca, em áreas com diferentes
graus de abundância de palmeiras juçara. Nas áreas em que os grandes mamíferos
não entram, as concentrações de amônia foram até 95% menores do que nas
parcelas onde eles circulam livremente.
Além
disso, constatou-se que na presença dos animais a amônia é convertida em
nitrato mais rapidamente, por conta dos microrganismos presentes no solo que
ajudam nessa conversão. Apesar de as plantas também absorverem amônia, o
nitrato pode ser usado imediatamente no seu metabolismo. Por isso, é geralmente
considerado mais valioso do ponto de vista da fisiologia vegetal.
“Os
queixadas compõem entre 80% e 90% de toda a biomassa de mamíferos da Mata
Atlântica, circulam por territórios extensos em grandes grupos, fertilizando a
floresta. As antas, por terem uma densidade mais baixa, têm uma participação
menor no ciclo de nitrogênio, mas a quantidade de excrementos de cada indivíduo
e a área que percorrem é considerável, inclusive dispersando sementes”, afirma
Villar. Outro estudo do grupo já havia mostrado o papel de antas e queixadas na
diversidade e abundância de espécies vegetais (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/31388/).
Essa
grande biomassa de animais frugívoros é atraída pela enorme produção de frutos
da juçara, que por sua vez tem o solo fertilizado pelos excrementos e provavelmente
frutificam mais, gerando um ciclo positivo para os animais, para as plantas e
para os microrganismos do solo, que são estimulados pela presença de
excrementos. Por isso, os pesquisadores propõem no trabalho o termo “sítios de
frutificação” (fruiting lawns), consistente com o
conceito de “sítios de pastagem” (grazing lawns),
usado para descrever processo semelhante em ambientes como as savanas
africanas, onde os animais são ruminantes e a vegetação composta de gramíneas.
Nos
próximos passos da pesquisa, o grupo pretende investigar se o aporte maior de
nitrogênio possibilitado pela interação de grandes mamíferos e plantas faz com
que estas absorvam mais carbono da atmosfera e o solo libere menos gases do
efeito estufa. Com isso, a interação entre plantas e animais teria ainda um
papel importante na regulação das mudanças climáticas globais.
O
artigo Frugivory underpins the nitrogen cycle, de Nacho
Villar, Claudia Paz, Valesca Zipparro, Sergio Nazareth, Leticia Bulascoschi,
Elisabeth S. Bakker e Mauro Galetti, pode ser lido em: https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1365-2435.13707.
André
Julião
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/grandes-mamiferos-tornam-solo-da-floresta-mais-fertil/34879/
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