O meu cachorro pensa? Amiga minha diz que não, que não pensa de jeito nenhum. Creio que pensa. Sabe coisas. Há, todavia muita diferença entre o pensamento canino e o humano: o animal humano socialmente humanizado pensa sobre a capacidade de pensar; o cão, não.
O humano socialmente
humanizado sabe e sabe que sabe; sabe que pode aprender o que não sabe; sabe
operar a própria capacidade de saber e acrescentar-se saberes; sabe que,
sabendo, pode submeter ao crivo axiológico os seus pensamentos, confirmando-os
ou refutando-os.
Opera-se sobre o próprio
saber quando se sabe que há limitação ao saber; que não é possível saber todas
as coisas; que há coisas que eu sei que sei; que há uma enormidade de coisas
que não sei e nem sei quais são elas; finalmente, há algumas coisas
identificadas que sei que não sei.
Reitero: muitas coisas, nem
sabemos que existem: objetos, conceitos, formas de organização social, maneiras
de levar a vida, conclusões científicas etc. Pessoas minimamente atentas aos
acontecimentos perceberão que são surpreendidas seguidamente por informações
novas.
Outras coisas, sabemos que
existem, mas não as alcançamos como um saber sob nosso domínio. Seja, não
adquirimos compreensão plena de algo que sabemos existir. Nisso se repetem
objetos, conceitos, formas de organização social, maneiras de levar a vida,
conclusões científicas etc.
Redundei de propósito a
expressão “humano socialmente humanizado”. Não é porque um alguém nasceu na
grande família taxonômica dos grandes primatas e se classifica na espécie homo
sapiens que está devidamente socializado para a vida em comum. Muita gente não
subjetiva cultura.
Subjetividade, Houaiss:
“realidade psíquica, emocional e cognitiva do ser humano, passível de
manifestar-se simultaneamente nos âmbitos individual e coletivo, e comprometida
com a apropriação intelectual dos objetos externos. Gostei muito da capacidade
sintetizadora dessa rubrica.
Se a nossa realidade
pessoal não se manifestar para além do individual, compreendendo-se no
coletivo, falhamos como seres sociais. Ora, não há humanização possível sem
vida social. E não há vida social sem diálogo, sem interação entre
subjetividades, formando consensos.
Formar consenso é ato
racional, qualidade preciosa. Sem racionalidade não há formação de denominador
comum, identificando os pontos a partir dos quais pessoas em conflito podem
promover conciliação, mesmo divergindo em outros elementos constitutivos das
relações sociais.
Meu cachorro briga por
osso, território e fêmea. No mais, ele “transige”. Ademais, no que briga, não
vai ódio, mas instinto. Muitos humanos promovem raras transigências e muitas
odiosidades. Ódio costuma ser medo do diferente. Medo à diversidade. Medo ao
que vem do outro.
Posição equivocada. A
riqueza da civilização humana está exatamente na dialética do diverso.
Contradições entre teorias, oposições entre fenômenos empíricos, contendas por
interesses movem o mundo. Sem a refrega da vida a História seria uma
fotografia, não um vídeo.
Não obstante, humanos pouco
humanizados fecham-se (ou são fechados por algoritmos) em bolhas virtuais.
Ensimesmados, cultivam-se adstringidos a opiniões assentadas, limitantes da
própria oportunidade de conjugação de conhecimentos novos, incapacitando-se
para progredir.
A internet, sobretudo,
tornou-se sítio de grupos autorreferentes. Adstritos a si mesmos, munidos de
modelos (objetos, conceitos, formas de organização social, maneiras de levar a
vida, conclusões científicas etc), refutam a experiência de outros possíveis,
eventualmente melhores.
Nas redes sociais boa parte
da humanidade sabe algumas coisas e as repete. Essa parte sabe o que sabe, mas
não sabe outras coisas nem imagina que não as sabe. São como o meu cachorro:
sabem, mas não refletem sobre saber ou não saber. Brigam pelo seu estabelecido
território mental.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário