sábado, 28 de novembro de 2020

Publicidade médica: entender o contexto é melhor do que “pode”, “não pode”

Em meio à pandemia, muitos médicos resolveram, enfim (antes tarde do que nunca), voltar sua atenção para o marketing digital. E iniciantes numa nova prática são sempre cheios de dúvidas: que linha editorial seguir, qual a voz da minha proto-persona, o que “pode” e “não pode”, segundo os conselhos de medicina...

Resultado? Nunca respondi tantas dúvidas sobre o tema na minha vida. Muito trabalho para explicar as regras da publicidade médica aos que embarcaram agora no marketing digital médico.

E como detesto a fórmula simplista do “pode”, “não pode”, sempre contextualizo ao máximo o tema, estimulando o pensamento complexo dos médicos, para libertá-los dessa prisão do “pode”, “não pode”.

Dito isso, há um mundo de leis, resoluções e pareceres. Há muito mais elementos envolvidos do que os descritos no famoso Manual de Publicidade Médica!


Comece pelo maior

No ordenamento jurídico brasileiro, as normas fundamentais estão acima da Constituição Federal. E logo abaixo da constituição, em ordem decrescente de relevância estão as emendas constitucionais; as leis complementares; as leis ordinárias – as medidas provisórias – os tratados (no mesmo nível hierárquico); os decretos e, por fim, as resoluções e as portarias.

Nesse sentido, temos o Código de Defesa do Consumidor (CDC) regulando a publicidade no país.  Eticamente, o médico não pode se utilizar dos meios de comunicação para divulgar métodos e tratamentos que não tenham reconhecimento científico para ampla utilização. A participação, ao divulgar assuntos profissionais, deve ter a conotação de esclarecer e educar o público.

Hoje, o médico que não observa este princípio esquece-se que o paciente é um “consumidor poderoso”, que conta com o  CDC do seu lado.  Com a vigência do Código Brasileiro do Consumidor, aprovado em 1990, a publicidade passou a ser verdadeira cláusula extra, não escrita, mas que passou a integrar o contrato celebrado com o consumidor, produzindo todos os efeitos legais.

O direito brasileiro, respaldado no CDC, sedimentou quatro princípios específicos da publicidade, sob o aspecto da defesa do consumidor. São eles:

  • Veracidade – previsto no art.37, § 1, do CDC, em respeito à “adequação entre aquilo que se afirma sobre o produto ou serviço e aquilo que realmente é”. Esse artigo é claro: “É enganosa qualquer tipo de publicidade que divulga informação total ou parcialmente falsa capaz de induzir o consumidor a erro de julgamento. A pena para o responsável pela infração é de três meses a um ano de detenção e multa”;
  • Clareza – previsto nos artigos 4, VI e 36. o artigo 4, veda expressamente que a publicidade contenha mensagem de concorrência desleal ou de uso indevido de sinais ou marcas de propaganda que prejudique o consumidor; 
  • Correção – é chamado por alguns doutrinadores de princípio à ordem pública ou da legalidade; 
  • Informação – ou princípio da fundamentação, refere-se à necessidade que a publicidade esteja fundamentada pelos dados técnicos e científicos que a sustentam. 


Amplie a visão

Depois do CDC, o médico precisa observar  o Código de Ética Médica, Capítulo XIII, relativo à publicidade médica, e  as resoluções dos conselhos de medicina (em âmbito federal e estadual) que estabelecem normas sobre o tema.

O médico, ao efetuar qualquer divulgação, por qualquer meio de comunicação, deverá ter conhecimento prévio também da Resolução CFM nº 1974/2011, que normatiza a publicidade médica e, havendo dúvidas, estas deverão ser encaminhadas para análise da Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos (CODAME) do  conselho de medicina do estado onde o médico atua.

A Resolução CFM 1.974/2011 é complementada pelas Resoluções CFM nº 2.126/2015,  CFM nº 2.133/2015CFM n° 2.226/2019CFM nº 1.931/2009, que é o próprio Código de Ética Médica.

Destas resoluções, destacam-se pontos centrais relevantes:

  • Nas publicidades ou propagandas deverá constar o nome completo do médico, número de inscrição junto ao CRM, especialidade ou área de atuação (no máximo duas) acompanhada do número de Registro de Qualificação de Especialista – RQE no seu respectivo CRM, os quais deverão ser inseridos, por exemplo, em retângulos de fundo branco, em letras de tamanho proporcional ao das demais informações de modo destacado;
  • Nos anúncios de clínicas, hospitais e outras entidades de prestação de serviços deverão constar, sempre, o nome do médico responsável, seu número de inscrição junto ao CRM e o termo Diretor Técnico Médico;
  • Divulgar títulos de pós-graduação somente é permitido quando tiver vínculo específico com a especialidade registrada perante o CRM, mesmo que tenha sido efetuada em instituições oficiais ou por estas credenciadas;
  • É infração ética a divulgação de especialidade ou área de atuação não registradas no Conselho Regional de Medicina ou que não sejam reconhecidas pela Comissão Mista de Especialidades (CFM/AMB/CNRM/MEC), por exemplo, Medicina Estética. Por isso, é essencial consultar sempre a  lista de especialidades e áreas de atuação reconhecidas (Resolução CFM nº 2.221/2018);
  • É vedado, quando não especialista, divulgar tratamento de sistemas orgânicos, órgãos ou doenças específicas por induzir a confusão com divulgação de especialidade;
  • É vedado utilizar-se de designações, símbolos, figuras, desenhos, imagens, slogans ou qualquer outro meio que sugira garantia de resultado, pois isto não depende apenas do médico e de sua competência, mas também da resposta do paciente;
  • Nas entrevistas, comunicados, publicações de artigos e informações ao público, o médico deve evitar autopromoção e sensacionalismo, não divulgando seu telefone, endereço de consultório, clínica ou serviço;
  • As propagandas ou entrevistas veiculadas devem ter o intuito de informar, orientar e esclarecer o cidadão sobre determinados procedimentos, doenças, epidemias, endemias, etc;
  • Não poderá ser divulgado material publicitário de forma sensacionalista, contendo fotos apelativas, preços de procedimentos, planos de parcelamento, modalidades de pagamento, concessões de descontos, atendimento privilegiado, ou procedimentos não reconhecidos pelo Conselho Federal de Medicina;
  • Não é permitido expor a figura do paciente em programas televisivos, jornais e revistas, com imagens de “antes e depois”, por meio de fotos, com o intuito de angariar clientela, pois esta prática antiética é uma forma de ludibriar o leigo, que, na crença de resultados semelhantes, é induzido a esperar resultados que podem não ser alcançados, uma vez que não há como prometer um resultado, pois cada indivíduo tem suas particularidades e um organismo é diferente do outro;
  • Autopromoção, pioneirismo, exclusividade, excelência, etc, são termos que não devem ser usados, pois entende-se que um profissional ou uma determinada entidade que presta trabalho primoroso à população não tem necessidade destes artifícios;
  • Informar à população sobre disponibilização de nova aparelhagem ou de novos procedimentos, desde que reconhecidos pelo Conselho Federal de Medicina, poderá ser feito, desde que de forma adequada e com bom senso. 


E tem mais...

Além das normas já mencionadas, é preciso observar também resoluções, pareceres e alertas que tratam de temas específicos relacionados à publicidade médica. Listo alguns dos mais recentes sobre o tema:

  • Parecer CFM nº 11/2020, que trata da comercialização dos cursos oferecidos por médicos via internet;
  • Parecer CFM 302/2020, que opina sobre a publicidade médica feita pelo Doctoralia;
  • Alerta ético emitido pelo Conselho de Medicina de Rondônia, que constitui falta ética anúncios em redes sociais onde médicos, utilizando-se da condição de médico, aparecem em situações indecorosas, apresentando danças ou simulações, como no Tik Tok;
  • Parecer CFM nº 32/2014, que prevê que não configura infração ao artigo 12 da Resolução CFM nº 1974/11, o Prêmio MPE Brasil, conferido pelo SEBRAE por seu caráter de impessoalidade, além de obedecer a rigorosos critérios de entidades acreditadoras nacionais e internacionais;
  • Resolução CRM-PR nº 183/2011, que veda o exercício da medicina em estabelecimentos de estética, salões e/ou institutos de beleza e congêneres e dá outras providências;
  • Resolução CREMESP nº 97/2001, que dispõe sobre idealização, criação, manutenção e atuação profissional em domínios, sites, páginas ou portais sobre medicina e saúde na Internet.

O descumprimento das normas da publicidade médica pode resultar em processos éticos e levar à condenação por violação do Código de Ética, podendo variar de advertências à cassação, conforme previsto na Lei n° 3.268/57.

Além das punições previstas no Código de Processo Ético Profissional, aplicadas pelos conselhos de medicina, as sociedades de especialidades também podem aplicar punições aos médicos que integram seus quadros. As entidades podem abrir sindicância e processo administrativo, providenciando a coleta de provas, tais como documentos, depoimentos, declarações e tudo mais considerado hábil e pertinente.  


O CONAR também está de olho no médico

Constituído por publicitários e profissionais de outras áreas, o CONAR é uma organização não-governamental que visa promover a liberdade de expressão publicitária e defender as prerrogativas constitucionais da propaganda comercial.

O CONAR age mediante denúncia, que pode ser feita por qualquer cidadão ofendido por uma peça publicitária, ou que constate  que o anunciante não cumpriu com o prometido no anúncio, ou ainda que julgou que a peça publicitária não corresponde à verdade, fere os princípios da leal concorrência ou desrespeita a atividade publicitária.

Se houver procedência, o CONAR abre um processo ético contra o anunciante e sua agência de publicidade. Se no final da análise o Conselho de Ética considerar que o denunciante tem razão, pode recomendar a alteração do anúncio ou até mesmo a suspensão da sua veiculação.

O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária destaca em seu artigo 44, anexo G, as normas de publicidade voltadas aos médico.

1. A publicidade submetida a este Anexo não poderá anunciar:

  • A cura de doenças para as quais ainda não exista tratamento apropriado, de acordo com os conhecimentos científicos comprovados;
  • Métodos de tratamentos e diagnósticos ainda não consagrados cientificamente;
  • Especialidade ainda não admitida para o respectivo ensino profissional;
  • A oferta de diagnóstico e/ou tratamento à distância;
  • Produtos protéticos que requeiram exames e diagnósticos de médicos especialistas.

2. A propaganda dos profissionais a que se refere este Anexo não pode anunciar:

  • O exercício de mais de duas especialidades;
  • Atividades proibidas nos respectivos códigos de ética profissional.

3. A propaganda de serviços hospitalares e assemelhados deve, obrigatoriamente, mencionar a direção responsável.

4. A propaganda de tratamentos clínicos e cirúrgicos (p. ex. emagrecimento, plástica) será regida pelos seguintes princípios:

  • Deve, antes de mais nada, estar de acordo com a disciplina dos órgãos de fiscalização profissional e governamentais competentes;
  • Precisa mencionar a direção médica responsável;
  • Deve dar uma descrição clara e adequada do caráter do tratamento;
  • Não pode conter testemunhais prestados por leigos;
  • Não pode conter promessa de cura ou de recompensa para aqueles que não obtiverem êxito com a utilização do tratamento.


Boa aplicação das normas

Diante do  exposto, fica claro a complexidade da publicidade médica e a necessidade de não reduzir o tema a  um “pode”, “não pode” sem fim. O médico precisa estar atento às normas, mesmo que o material seja produzido por agências especializadas. É importante compreendê-las e aplicá-las adequadamente, respeitar a ética profissional, e acima de tudo, ter uma estratégia de marketing boa, que não transforme o médico numa commodity.

 



Márcia Wirth - jornalista, mentora,  apaixonada por Personal Branding, idealizadora do  #GoDigitalDoctor, especialista em Marketing Médico e Gestão de Mídias Digitais. 

 

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