Em meio à pandemia, muitos médicos resolveram, enfim (antes tarde do que nunca), voltar sua atenção para o marketing digital. E iniciantes numa nova prática são sempre cheios de dúvidas: que linha editorial seguir, qual a voz da minha proto-persona, o que “pode” e “não pode”, segundo os conselhos de medicina...
Resultado? Nunca respondi tantas dúvidas sobre o
tema na minha vida. Muito trabalho para explicar as regras da publicidade
médica aos que embarcaram agora no marketing digital médico.
E como detesto a fórmula simplista do “pode”,
“não pode”, sempre contextualizo ao máximo o tema, estimulando o pensamento
complexo dos médicos, para libertá-los dessa prisão do “pode”, “não pode”.
Dito isso, há um mundo de leis, resoluções e
pareceres. Há muito mais elementos envolvidos do que os descritos no famoso Manual de Publicidade Médica!
Comece pelo maior
No ordenamento jurídico brasileiro, as normas
fundamentais estão acima da Constituição Federal. E logo abaixo da
constituição, em ordem decrescente de relevância estão as emendas
constitucionais; as leis complementares; as leis ordinárias – as medidas
provisórias – os tratados (no mesmo nível hierárquico); os decretos e, por fim,
as resoluções e as portarias.
Nesse sentido, temos o Código de Defesa do Consumidor (CDC) regulando
a publicidade no país. Eticamente, o médico não pode se utilizar dos
meios de comunicação para divulgar métodos e tratamentos que não tenham
reconhecimento científico para ampla utilização. A participação, ao divulgar
assuntos profissionais, deve ter a conotação de esclarecer e educar o público.
Hoje, o médico que não observa este princípio
esquece-se que o paciente é um “consumidor poderoso”, que conta com
o CDC do seu lado. Com a vigência do Código Brasileiro do
Consumidor, aprovado em 1990, a publicidade passou a ser verdadeira cláusula
extra, não escrita, mas que passou a integrar o contrato celebrado com o
consumidor, produzindo todos os efeitos legais.
O direito brasileiro, respaldado no CDC,
sedimentou quatro princípios específicos da publicidade, sob o aspecto da
defesa do consumidor. São eles:
- Veracidade
– previsto no art.37, § 1, do CDC, em respeito à “adequação entre aquilo
que se afirma sobre o produto ou serviço e aquilo que realmente é”. Esse
artigo é claro: “É enganosa qualquer tipo de publicidade que divulga
informação total ou parcialmente falsa capaz de induzir o consumidor a
erro de julgamento. A pena para o responsável pela infração é de três
meses a um ano de detenção e multa”;
- Clareza
– previsto nos artigos 4, VI e 36. o artigo 4, veda expressamente que a
publicidade contenha mensagem de concorrência desleal ou de uso indevido
de sinais ou marcas de propaganda que prejudique o consumidor;
- Correção
– é chamado por alguns doutrinadores de princípio à ordem pública ou da
legalidade;
- Informação
– ou princípio da fundamentação, refere-se à necessidade que a publicidade
esteja fundamentada pelos dados técnicos e científicos que a
sustentam.
Amplie a visão
Depois do CDC, o médico precisa observar
o Código de Ética Médica,
Capítulo XIII, relativo à publicidade médica, e as resoluções dos
conselhos de medicina (em âmbito federal e estadual) que estabelecem normas
sobre o tema.
O médico, ao efetuar qualquer divulgação, por
qualquer meio de comunicação, deverá ter conhecimento prévio também da Resolução CFM nº 1974/2011, que normatiza
a publicidade médica e, havendo dúvidas, estas deverão ser encaminhadas para
análise da Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos (CODAME) do
conselho de medicina do estado onde o médico atua.
A Resolução CFM 1.974/2011 é complementada pelas
Resoluções CFM nº 2.126/2015, CFM nº 2.133/2015, CFM n° 2.226/2019 e CFM nº 1.931/2009, que é o próprio Código de
Ética Médica.
Destas resoluções, destacam-se pontos centrais
relevantes:
- Nas
publicidades ou propagandas deverá constar o nome completo do médico,
número de inscrição junto ao CRM, especialidade ou área de atuação (no
máximo duas) acompanhada do número de Registro de Qualificação de
Especialista – RQE no seu respectivo CRM, os quais deverão ser inseridos,
por exemplo, em retângulos de fundo branco, em letras de tamanho
proporcional ao das demais informações de modo destacado;
- Nos
anúncios de clínicas, hospitais e outras entidades de prestação de
serviços deverão constar, sempre, o nome do médico responsável, seu número
de inscrição junto ao CRM e o termo Diretor Técnico Médico;
- Divulgar
títulos de pós-graduação somente é permitido quando tiver vínculo
específico com a especialidade registrada perante o CRM, mesmo que tenha
sido efetuada em instituições oficiais ou por estas credenciadas;
- É
infração ética a divulgação de especialidade ou área de atuação não
registradas no Conselho Regional de Medicina ou que não sejam reconhecidas
pela Comissão Mista de Especialidades (CFM/AMB/CNRM/MEC), por exemplo,
Medicina Estética. Por isso, é essencial consultar sempre a lista de especialidades e
áreas de atuação reconhecidas (Resolução CFM nº 2.221/2018);
- É
vedado, quando não especialista, divulgar tratamento de sistemas
orgânicos, órgãos ou doenças específicas por induzir a confusão com
divulgação de especialidade;
- É
vedado utilizar-se de designações, símbolos, figuras, desenhos, imagens,
slogans ou qualquer outro meio que sugira garantia de resultado, pois isto
não depende apenas do médico e de sua competência, mas também da resposta
do paciente;
- Nas
entrevistas, comunicados, publicações de artigos e informações ao público,
o médico deve evitar autopromoção e sensacionalismo, não divulgando seu
telefone, endereço de consultório, clínica ou serviço;
- As
propagandas ou entrevistas veiculadas devem ter o intuito de informar,
orientar e esclarecer o cidadão sobre determinados procedimentos, doenças,
epidemias, endemias, etc;
- Não
poderá ser divulgado material publicitário de forma sensacionalista,
contendo fotos apelativas, preços de procedimentos, planos de
parcelamento, modalidades de pagamento, concessões de descontos,
atendimento privilegiado, ou procedimentos não reconhecidos pelo Conselho Federal de
Medicina;
- Não
é permitido expor a figura do paciente em programas televisivos, jornais e
revistas, com imagens de “antes e depois”, por meio de fotos, com o
intuito de angariar clientela, pois esta prática antiética é uma forma de
ludibriar o leigo, que, na crença de resultados semelhantes, é induzido a
esperar resultados que podem não ser alcançados, uma vez que não há como
prometer um resultado, pois cada indivíduo tem suas particularidades e um
organismo é diferente do outro;
- Autopromoção,
pioneirismo, exclusividade, excelência, etc, são termos que não devem ser
usados, pois entende-se que um profissional ou uma determinada entidade
que presta trabalho primoroso à população não tem necessidade destes
artifícios;
- Informar
à população sobre disponibilização de nova aparelhagem ou de novos
procedimentos, desde que reconhecidos pelo Conselho Federal de Medicina,
poderá ser feito, desde que de forma adequada e com bom senso.
E tem mais...
Além das normas já mencionadas, é preciso
observar também resoluções, pareceres e alertas que tratam de temas específicos
relacionados à publicidade médica. Listo alguns dos mais recentes sobre o tema:
- Parecer CFM nº 11/2020, que trata da
comercialização dos cursos oferecidos por médicos via internet;
- Parecer CFM 302/2020, que opina sobre a
publicidade médica feita pelo Doctoralia;
- Alerta ético emitido pelo Conselho de
Medicina de Rondônia, que constitui falta ética anúncios em redes sociais
onde médicos, utilizando-se da condição de médico, aparecem em situações
indecorosas, apresentando danças ou simulações, como no Tik Tok;
- Parecer CFM nº 32/2014, que prevê que não
configura infração ao artigo 12 da Resolução CFM nº 1974/11, o Prêmio
MPE Brasil, conferido pelo SEBRAE por seu caráter de impessoalidade,
além de obedecer a rigorosos critérios de entidades acreditadoras
nacionais e internacionais;
- Resolução CRM-PR nº 183/2011, que veda o
exercício da medicina em estabelecimentos de estética, salões e/ou
institutos de beleza e congêneres e dá outras providências;
- Resolução CREMESP nº 97/2001, que dispõe
sobre idealização, criação, manutenção e atuação profissional em
domínios, sites, páginas ou portais sobre medicina e saúde na
Internet.
O descumprimento das normas da publicidade médica
pode resultar em processos éticos e levar à condenação por violação do Código
de Ética, podendo variar de advertências à cassação, conforme previsto na Lei n° 3.268/57.
Além das punições previstas no Código de Processo
Ético Profissional, aplicadas pelos conselhos de medicina, as sociedades de
especialidades também podem aplicar punições aos médicos que integram seus quadros. As
entidades podem abrir sindicância e processo administrativo,
providenciando a coleta de provas, tais como documentos, depoimentos,
declarações e tudo mais considerado hábil e pertinente.
O CONAR também está de olho no médico
Constituído por publicitários e profissionais de
outras áreas, o CONAR é uma organização não-governamental que visa promover a
liberdade de expressão publicitária e defender as prerrogativas constitucionais
da propaganda comercial.
O CONAR age mediante denúncia, que pode ser feita
por qualquer cidadão ofendido por uma peça publicitária, ou que constate
que o anunciante não cumpriu com o prometido no anúncio, ou ainda que julgou
que a peça publicitária não corresponde à verdade, fere os princípios da leal
concorrência ou desrespeita a atividade publicitária.
Se houver procedência, o CONAR abre um processo
ético contra o anunciante e sua agência de publicidade. Se no final da
análise o Conselho de Ética considerar que o denunciante tem razão, pode
recomendar a alteração do anúncio ou até mesmo a suspensão da sua veiculação.
O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária
destaca em seu artigo 44, anexo G, as normas de publicidade voltadas aos
médico.
1. A publicidade submetida a este Anexo não
poderá anunciar:
- A
cura de doenças para as quais ainda não exista tratamento apropriado, de
acordo com os conhecimentos científicos comprovados;
- Métodos
de tratamentos e diagnósticos ainda não consagrados cientificamente;
- Especialidade
ainda não admitida para o respectivo ensino profissional;
- A
oferta de diagnóstico e/ou tratamento à distância;
- Produtos
protéticos que requeiram exames e diagnósticos de médicos especialistas.
2. A propaganda dos profissionais a que se
refere este Anexo não pode anunciar:
- O
exercício de mais de duas especialidades;
- Atividades
proibidas nos respectivos códigos de ética profissional.
3. A propaganda de serviços hospitalares e
assemelhados deve, obrigatoriamente, mencionar a direção responsável.
4. A propaganda de tratamentos clínicos e
cirúrgicos (p. ex. emagrecimento, plástica) será regida pelos seguintes
princípios:
- Deve,
antes de mais nada, estar de acordo com a disciplina dos órgãos de
fiscalização profissional e governamentais competentes;
- Precisa
mencionar a direção médica responsável;
- Deve
dar uma descrição clara e adequada do caráter do tratamento;
- Não
pode conter testemunhais prestados por leigos;
- Não
pode conter promessa de cura ou de recompensa para aqueles que não
obtiverem êxito com a utilização do tratamento.
Boa aplicação das normas
Diante do exposto, fica claro a
complexidade da publicidade médica e a necessidade de não reduzir o tema
a um “pode”, “não pode” sem fim. O médico precisa estar atento às
normas, mesmo que o material seja produzido por agências especializadas. É
importante compreendê-las e aplicá-las adequadamente, respeitar a ética
profissional, e acima de tudo, ter uma estratégia de marketing boa, que não
transforme o médico numa commodity.
Márcia
Wirth - jornalista, mentora, apaixonada por Personal
Branding, idealizadora do #GoDigitalDoctor, especialista
em Marketing Médico e Gestão de Mídias Digitais.
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