Em meios às eleições de prefeitos e vereadores, esta é uma reflexão urgente, tendo em vista que boa parte do Ensino Fundamental está sob responsabilidade das redes municipais
Ele chegou
de repente, no início de março, tomando de surpresa o Brasil. Os noticiários da
TV e as redes sociais informavam sobre a morte de pessoas na China, Itália e
outros países. Um misto de pânico e descrença tomou conta da população com o
novo coronavírus.
Em nove
meses, passamos por uma curva ascendente, por um platô extenso e agora, a curva
da média diária de casos e mortes sugere que finalmente estamos em um movimento
de queda. Porém, o temor de uma segunda onda, já presente na Europa e nos
Estados Unidos, não nos dá trégua para baixarmos a guarda.
Todo esse
cenário, como muito se discutiu na imprensa e na academia, está ligado
diretamente à forma como lidamos com a natureza. E aí é preciso distinguir o
antes (como a deterioração do meio ambiente criou o vírus) e o depois (se o
meio ambiente melhorará em razão da pandemia).
No antes, há
evidências de que o vírus tem relação com a destruição das florestas e o
tráfico ilegal de animais silvestres, ainda que a origem exata da doença não
tenha sido determinada. Com relação ao depois, é certo que alguns aspectos
melhoraram. Na China, por exemplo, houve um declínio substancial no consumo de
combustíveis, com queda nos níveis de poluição atmosférica. Em São Paulo,
durante a pandemia, a diminuição do tráfico de veículos diminuiu a poluição
atmosférica. A questão é: até quando isto irá se manter?
Ora, se há evidências de que uma doença tão contagiosa surgiu da
degradação da natureza e, mais do que isso, que outras mais letais podem surgir
no futuro, a sociedade precisa repensar a forma como se relaciona com os
ambientes naturais e sua biodiversidade.
E isso só pode acontecer de maneira eficaz por meio da educação
ambiental. Assim, é imprescindível que o poder público adote o ensino da
educação ambiental como matéria obrigatória em todos os níveis, revogando-se o
fracassado art. 10, § 1º, da Lei 9.795/99, que proíbe a existência de matéria
específica. Em tempos de eleições de prefeitos e vereadores, esta é uma
reflexão urgente, tendo em vista que boa parte do Ensino Fundamental está sob
responsabilidade das redes municipais.
Historicamente,
o Brasil é voz ativa e respeitada no cenário internacional em relação a
políticas ambientais. No entanto, essa construção precisa ser fortalecida
formalmente no nosso sistema educacional, começando desde os primeiros anos da
Educação Básica. Isso é especialmente importante em razão do momento atual que
vivemos, não apenas do novo coronavírus, mas de todo o descaso com a política
ambiental.
Mais do que
prejuízos à saúde e ao bem-estar das pessoas, tem provocado danos econômicos,
evidenciados pela fuga de investidores e pela pressão crescente de grandes
empresas para que as nossas florestas sejam protegidas. Tanto isto é verdade
que o presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, foi rápido em apontar
que o Brasil sofrerá consequências sérias se não mudar a forma como atua.
Contudo, uma
conscientização coletiva em relação à importância do meio ambiente só pode
acontecer quando a educação ambiental for tratada de maneira clara e enfática
nas escolas, o que exige alterações na Lei 9.795/99, a começar pelo artigo 10º.
Obviamente que as ações não acabam aí. Outras medidas legais são
importantes, como o recente Decreto 10.387/2020, que deu incentivos ao
financiamento de projetos de infraestrutura com benefícios ambientais e
sociais, incluindo os setores de mobilidade urbana, energia e saneamento
básico. Contudo, somente com a educação como base das políticas públicas de
proteção ao meio ambiente é que poderemos evitar que novas pandemias aconteçam
e permitir que o Brasil se prepare para um mundo sustentável.
Vladimir Passos de Freitas - membro da Rede de
Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor de Direito Ambiental do doutorado na
Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Foi presidente do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região e Secretário Nacional de Justiça do Ministério da Justiça
e Segurança Pública.
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