quinta-feira, 30 de julho de 2020

Como curar a sua compulsão por agradar?

Você tem dificuldade de dizer não? Um dos grandes desafios que temos enquanto mulheres é buscar constantemente a validação externa dos outros. Nos preocupamos muito com o que os outros pensam de nós, ou seja, com o julgamento alheio. Não tem como dizer que isso não tem a ver com gênero porque infelizmente tem. O homem tem mais facilidade em precificar seus projetos e se autopromover.

Essa compulsão por agradar, a dificuldade de dizer não e a necessidade de se desculpar frequentemente tem a ver com o Complexo da Boazinha. Esse complexo tem como efeito o medo de não querer brilhar muito, de não querer aparecer tanto, em se sentir desconfortável em dar uma opinião contrária. É aquela sensação de não querer ou não saber cobrar pelo seu trabalho. O sentimento de desconforto em falar sobre promoção e aumento de salário também é característico. Não espere a sua promoção chegar até você, porque isso dificilmente acontecerá. Nós mulheres temos que pedir a coroa porque receber uma promoção ou um aumento salarial é fruto do excelente trabalho que você desempenha e não um favor. Aqui eu indico um livro que se chama "A Síndrome da Boazinha: como curar a sua compulsão por agradar" da psicóloga Harriet Braiker.

Mas qual a relação que isso tem com gênero? Nosso grande desafio é que ainda educamos meninos e meninas de maneiras diferentes. Educamos meninos para liderar, arriscar; já as meninas para cuidar da casa, dos filhos, para serem mães. Pelo menos é essa expectativa que ainda recai a nós mulheres. Tem todo um movimento da indústria para fazer nos sentirmos insuficientes: com o nosso corpo, com as nossas roupas, com a nossa beleza. Sem falar do excesso de cobrança externa em relação de como a mulher tem que performar nessa sociedade. Em função do machismo e dessa diferença de criação, é notório que a autoestima e a autoconfiança da mulher nessa sociedade seriam abaladas.

E, claro, se você se posicionar, negociar o seu salário, as pessoas te julgarão como aquela que é ambiciosa, mandona, agressiva demais. Entretanto seremos julgadas de qualquer maneira. Meu conselho é que você tome decisões baseadas naquilo que verdadeiramente faz sentido para você e não para suprir expectativas alheias.

Estamos sempre no papel de backstage, de não brilhar tanto. A primeira missão para acabar com essa história toda é ouvir nossa voz interna, não a de autocrítica e desvalorização, mas pensar: se tivesse outra pessoa ouvindo seus próprios julgamentos, o que ela pensaria de você? Teria dó, uma certa pena? Então, ouça a sua voz interna, reduzindo o volume de autocrítica que nos desvaloriza. Aqui é importante se olhar de maneira mais generosa e gentil.

A segunda missão é aprender a dizer não. Mas como? Primeiramente, tenha em mente que nunca vamos agradar todo mundo. A minha sugestão é começar aos poucos. Se para você existe um desconforto emocional de se posicionar de maneira contrária, comece a exercitar aos poucos.

Na prática, a questão é como se posicionar. O problema não é se posicionar, mas sim a forma como eu me posiciono. Todos nós estamos com excesso de trabalho durante a quarentena. Então, vamos imaginar que seu horário de trabalho seja das 8h às 18h e às 17h30 você recebe um relatório do seu chefe que você precisa entregar, e que seja algo difícil de fazer de maneira rápida.

Em um primeiro momento, você diria sim e passaria 3 a 4 horas extras fazendo esse trabalho para agradar o seu chefe, não é verdade? Outra coisa comum é assumir responsabilidades e trabalhos externos que não são seus. Esses exemplos são clássicos da compulsão por agradar e pela dificuldade de dizer não. Aqui é preciso nomear os seus sentimentos e necessidades que você possui e que não estão sendo atendidos.

O primeiro passo é expor fatos e evidências daquilo que te desagradou. O segundo passo é acolher os seus sentimentos e expô-los. Normalmente, as pessoas pensam o contrário, que se mostrar vulnerável é sinal de fraqueza ou fragilidade, mas a vulnerabilidade traz a conexão e a confiança necessárias para avançarmos em qualquer relação. O terceiro é expor as suas necessidades. Por exemplo, você precisaria de um dia a mais para entregar a tarefa que lhe foi dada? Por que não expor essa necessidade para que o outro tenha em mente quanto tempo você leva para executá-la? O último e quarto passo tem a ver com o pedido, que é diferente de uma exigência. Aqui é legal perguntar ao gestor se isso pode ser feito de uma outra maneira. "Para eu te entregar o relatório com qualidade, eu preciso de um dia a mais. Podemos combinar que da proxima vez voce me entrega essa atividade com mais antecedência?" Nesse momento você está estabelecendo limites saudáveis para essa relação. Esses 4 passos são utilizados nos estudos de Comunicacao Nao Violenta (CNV) de Marshall Rosenberg. É importante mencionar aqui que o estudo da CNV não é um estudo de como ser passiva, mas como eu nomeio as minhas emoções e as expresso de maneira adequada.

Agora vamos para a terceira missão: valorizar o seu repertório. Os traumas e dilemas que você passou na sua vida, os desafios da sua história que são somente seus, isso ninguém te tira porque é o que te faz ser quem você é hoje. Aqui a dica principal é não se comparar com os outros. Isso é injusto porque além das pessoas terem realidades diferentes, você se diminui quando se compara com a realidade do outro.

Você precisa sempre se comparar com o seu repertório: como eu era em relação a essa habilidade a um ano atrás? Como era a Carine há 2 anos sem a experiência da Escola ELAS? A sua história te faz ser única no ambiente que você está hoje e a valorização do seu próprio repertório te permite autorizar seu brilho para que você possa ser inspiração para outras mulheres. Ou seja, a autorização do seu brilho faz com que você permita outras mulheres a brilharem também.

Se estamos falando de um ambiente de união entre as mulheres, nós precisamos nos apoiar e alguém precisa ter a confiança necessária para se expor. É comum outras mulheres se reconhecerem quando uma delas emite uma opinião, levanta a mão em uma reunião com a maioria masculina, porque elas se sentem representadas. Então, a partir do momento que você autoriza o seu brilho, outras pessoas brilham ao seu redor. Não se apequene para caber em um espaço que não é do seu tamanho. Muitas vezes não queremos mostrar nossas conquistas para o ambiente com medo de sermos taxadas de ambiciosas, mas definitivamente não vale você pagar o preço de mudar você, a sua essência para caber em um espaço que é muito menor do que a sua luz. É exatamente o oposto: se você for maior do que esse espaço vá embora!

É preciso proteger os seus valores para lidar com o ambiente, mas você não precisa fazer da mesma forma que as outras pessoas fazem. Conflitos vão existir no ambiente de trabalho, mas não deixe seus inegociáveis de lado. Qual é o máximo que pode acontecer ao se posicionar? Se você é uma boa profissional e gera excelentes resultados, ninguém irá te demitir por você respeitar o seu horário de trabalho e colocar os seus limites.

Ao invés de pensar: será que meu gestor vai gostar do meu trabalho? Pense: será que EU vou deixar de fazer um compromisso pessoal importante que tenho para entregar esse relatório? Nesse ponto, precisamos de uma inversão de jogo no sentido de valorizar o seu repertório e entender que quanto mais eu me posicionar no ambiente de trabalho estabelecendo limites, mais as pessoas irão me respeitar. E para isso, o autoconhecimento é essencial para saber nomear seus sentimentos e suas necessidades. Se você não souber, terá dificuldade de lidar com as pessoas.

Por fim, não se esqueça: seu repertório te faz ser única! Brilhe!

 



Carine Roos - cofundadora da ELAS e especialista em Desenvolvimento de Mulheres


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