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este artigo respaldado pela citação, no título, de uma frase da ministra Carmen
Lúcia, do STF. Se for necessário, lembrem-se deste habeas corpus preventivo. A
ministra valeu-se do dito popular para justificar seu voto em favor das
biografias não autorizadas (ADIn 4815): "Cala Boca já morreu, quem manda
na minha boca sou eu", disse ela, lembrando a ciranda infantil.
Nestes
tumultuados dias, no entanto, o Cala Boca arrastou a pedra de seu sepulcro,
livrou-se das ataduras, vestiu uma capa preta e se instalou dentro do Supremo
Tribunal Federal.
Na
URSS, o Cala Boca se chamava Glavlit e tinha por função controlar a comunicação
social como forma de proteger a revolução. O órgão chamava-se Diretório-Geral para a Proteção de Segredos de Estado
na Imprensa, foi criado em 1921 e vigeu durante todo o regime. Chegou a ter 70
mil funcionários controlando textos e imagens importados ou publicados no país.
No Brasil, se chamou DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), nos anos da
ditadura Vargas. Nos governos militares,
o Cala Boca esteve vivo e ativo, com diferentes intensidades, entre os anos de
1964 e 1979.
Hoje, ele se chama Inquérito 4781. Não tem borda nem tampa.
Fachin, ao endossá-lo - vejam só! - o disse atípico, singular e anômalo. Marco
Aurélio esgotou em seu voto a lista das demasias cometidas e o proclamou
"Inquérito do fim do mundo". Malgré tout, lá está ele no STF, sob
comando do ministro Alexandre de Moraes, para quem, tudo indica, mídia digital
não é mídia e, como tal, não merece respeito. Nada lhes ensinou o papelão
praticado contra a Revista Crusoé. O que ele fez com alguns canais, recolhendo
todos os equipamentos, equivale ao antigo "empastelamento", que
inutilizava o material gráfico impedindo um jornal de ser produzido. Para quem
vê fantasmas nazistas e fascistas é bom lembrar as palavras do falecido
deputado paulista Salomão Jorge, referindo-se a um empastelamento determinado
por Otávio Mangabeira: "Em Berlim, quando começaram a empastelar jornais,
surgiu o nazismo".
Qual a origem da atual crise política e institucional do
país? Para responder de modo adequado a essa pergunta é preciso ter em mente o
fato de que, no Brasil, a revolução cultural vinha construindo vitórias por WO
há mais de meio século. Ao longo desse período atacou as bases cristãs da
cultura vigente, dominou o ambiente acadêmico, infiltrou-se nos seminários e na
mídia, invadiu e cristalizou-se no aparelho burocrático, Por fim, transformando
os dois vocábulos em insulto, dominou a linguagem com o "politicamente correto" e
retirou de circulação as ideias conservadoras e liberais que lhe poderiam fazer
oposição. Estavam lançadas as bases para o ciclo das grandes vitórias
eleitorais iniciadas em 1995.
Se havia algo inevitável nessa revolução cultural à brasileira era o
caos que adviria em todas as dimensões possíveis. De fato, perde-se nos flancos
da razão quem, para comprar o paraíso terrestre, desassocia liberdade de
responsabilidade e direitos de deveres. Tudo se agrava, na perspectiva social, quando
se começa a fumar e cheirar ideias de que certo e errado, bem e mal, moral e
imoral, são decisões de foro íntimo ou de definição majoritária. Quando o PT
recheou o STF com juristas à sua imagem e semelhança (sete dos onze na atual
composição), estabeleceu-se uma cisão entre a consciência conservadora e
liberal que se ia formando na sociedade e a visão autorrotulada
"progressista" da Suprema Corte.
Não se diga que as decisões do STF refletem,
nus e crus, os preceitos constitucionais. A visão de mundo do julgador, os
caminhos percorridos na formação do seu pensamento, de sua cultura e
experiências de vida, influenciam suas decisões. Não fora assim, tantas
votações não seriam decididas pelo estreito placar de 6 a 5. Não havendo um
único ministro reconhecidamente conservador ou liberal no plenário, o STF segue
então seu caminho enquanto a sociedade vai por outro.
O modo como o "inquérito do fim do
mundo" se instalou e vem atuando enquanto o silêncio da grande mídia dói
nos meus ouvidos, configura um absurdo jogo de braço entre a Corte e a Nação.
Quem vai para o palco e incomoda o público não pode se recusar à vaia.
Se eu disse tudo que queria? Não, não com o
Cala Boca tão vivo entre nós.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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