Schopenhauer foi um filósofo que penetrou no âmago do mundo. Todavia, por considerá-lo o pior dos possíveis, afastou muitos leitores. É natural que não queiramos olhar diretamente para o sol e para a morte.
Daí a sua permanência em brumas desconhecidas pela maioria das gentes. No entanto, bastam algumas de suas ideias, no imenso contexto de sua obra "O mundo como vontade e representação", postas no degrau do entendimento popular, neste momento mundial típico de seu enfoque, para assimilar-se a profundidade da percepção desse pensador.
O mundo e o homem são "vontade e representação". O homem e o mundo como vontade significam que são movidos por uma propensão incessante, destinada sempre a resgatar algo inefável. No homem isso é facilmente compreensível; no mundo, é preciso conhecer a evolução da espécie e sua movimentação para constatar esse impulso volitivo permanente.
Ocorre que, em geral, esse fluxo incessante da vontade é interrompido e os objetivos, ainda que meramente intuitivos, não são realizados.
Consequentemente, a frustração toma conta da existência global. Daí a síntese simplificada do pessimismo.
Nosso homem não deixa de observar, porém, que, precisamente por isso, não podemos desperdiçar nenhum momento feliz de nossas vidas. São o grato oásis de um deserto. E costumamos lançar pela janela afora nossos momentos felizes. Em verdade, deixamos escapar pelos dedos das mãos esses momentos, enquanto curtimos incomparavelmente nossas tristezas. Nosso trem permanece muito mais tempo estacionado da estação tristeza do que na estação alegria.
A realidade objetiva é vista de acordo com nossa representação e, tornando-se, portanto, subjetiva, sob essa condição inerente ao ser consciente, resta o oco, o vazio da busca incessante e infinita.
Em tal situação existencial, o grande caminho da realização humana corresponde às artes. Dedicado à arte, seja como seu protagonista criativo, seja como o receptor sensível das criações, o homem se dignifica, domina o mundo, liberta-se daquele jogo de querer e perder, ainda que vitorioso. A arte resulta em superação humana eterna; numa palavra, em nossa libertação.
Logo, num momento de quarentena, a literatura, a pintura, a música, as ciências (que não deixam seus aspectos artísticos), possibilitam-nos viver. E não só nesse momento excepcional, mas por todo o futuro. É o escape do materialismo vulgar e grosso, que somente nos reduz àquela condição primitiva. E, também, do idealismo, segundo o qual somos movidos em direção a uma utopia. Schopenhauer foi um crítico contundente do hegelianismo.
Nada está traçado, resta somente o mundo como vontade e representação e nosso voo pelos céus das artes, que nos embala e nos realiza, ainda que num momento objetivamente cruel e submetidos a um isolamento social.
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