Com a propagação do Coronavírus e o aumento
significativo das mortes, fez-se necessário adotar uma política rigorosa de
isolamento por todo o mundo, inclusive no Brasil.
Com isso, milhares de empresas foram compelidas a
fechar suas portas, concedendo férias coletivas ou, então, promover a adaptação
dos seus colaboradores para trabalhar em modo home office.
Fato é que, como consequência do isolamento social,
diversas empresas tiveram o seu fluxo de caixa reduzido drasticamente ou, em
certos casos mais drásticos, totalmente zerado.
Entretanto, a necessidade de manter em dia as
contas, a folha de pagamentos, contratos com fornecedores e tributos, ainda
permanece.
Com relação, especificamente, aos tributos, cumpre
dizer que o não recolhimento/pagamento dos mesmos, em determinadas situações,
poderá vir a ser considerado como crime tributário.
De fato, segundo o que se infere do artigo 2º,
inciso II, da Lei 8137/90, constitui crime tributário “deixar de
recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social,
descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que
deveria recolher aos cofres públicos”.
Deste modo, o contribuinte que não recolhe o
tributo no prazo legal, após tê-lo descontado ou cobrado junto ao contribuinte,
estaria sujeito à aplicação da referida norma penal.
Contudo, voltando a falar do nosso atual momento de
crise, é bom ressaltar que, sobrevindo a impossibilidade financeira do
responsável tributário, o Direito Penal pátrio prevê uma saída que o permite
deixar de recolher o tributo, sem que isso acarrete, por si só, a sonegação
fiscal.
Com efeito, em situações que tais, poderá ser
aplicada a excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa, a
qual, em miúdos, autoriza o cidadão, diante da total incapacidade financeira, a
deixar de pagar o tributo, simplesmente porque não possui outra alternativa.
Referida excludente possibilita, justamente, que,
em virtude de comprovada carência de recursos econômicos, o
contribuinte/empresário, por não ter outra escolha, deixe de recolher os
tributos, para assim evitar a inviabilidade da sua atividade
empresarial/indústria e, desta forma, manter seus compromissos com
colaboradores, empregados e fornecedores.
Desta forma, o empresário que, mesmo tendo efetuado
o desconto das contribuições sociais/tributos dos seus empregados/clientes,
deixa de recolhê-las no prazo legal, com o fim de assim manter ativa a sua
atividade econômica e, por consequência, evitar a demissão dos seus
funcionários, não incorrerá no cometimento de crime fiscal.
Entretanto, não pode o empresário simplesmente
deixar de recolher o tributo e esperar que nada aconteça, visto que, mesmo
diante dos problemas financeiros, é necessário efetuar o seu lançamento nos
livros e documentos fiscais da empresa (ainda que não pretenda efetuar o
pagamento).
Além disso, para que a excludente produza seus
efeitos, é preciso que o contribuinte comprove, cabalmente, que está deixando
de recolher o tributo porque não tem outra opção. Ou seja, é preciso ficar
muito bem demonstrado que ele deixa de cumprir com suas obrigações tributárias
para assim conseguir manter a sua empresa/negócio em atividade e, claro,
suportar o pagamento de salários e outros gastos (absolutamente) necessários à
pessoa jurídica.
Entretanto, convém mencionar que a aplicação da
inexigibilidade de conduta diversa reclama certos “sacrifícios” do responsável tributário,
tais como a venda de patrimônio próprio, busca de empréstimos bancários, venda
de ativos da empresa, etc. Ou seja, não adianta a pessoa jurídica estar em
situação difícil se, na vida pessoal, o seu sócio efetua gastos vultosos,
possui vasto patrimônio, grandes somas de dinheiro no banco, etc.
É preciso, pois, deixar claro que o não
recolhimento das contribuições sociais/tributos descontados dos
funcionários/clientes deve ser considerado como a “última alternativa” adotada.
Do contrário, a excludente não será aplicada.
Daí, portanto, ser forçoso concluir que, em razão
da crise atual, aqueles empresários que estejam em dúvida a respeito de
continuar, ou não, recolhendo os tributos/contribuições sociais (e assim, por
consequência, colocar em risco a existência da própria empresa) têm uma
alternativa legal e eficaz para não incorrerem no delito de sonegação fiscal,
desde que, repise-se, façam a prova categórica da absoluta carência de recursos
financeiros.
Vale lembrar que, uma vez superado o momento de
crise, o empresário/contribuinte deverá pagar os tributos lançados. Enfim, a
incidência da excludente não pode ser compreendida como uma “carta branca” dada
ao contribuinte, para alforriá-lo dos seus compromissos fiscais, mas, sim,
apenas como uma possibilidade de recolher o tributo “fora do
prazo legal”.
Ou seja, a excludente poderá até resolver a questão
sob o aspecto criminal (afastando a culpabilidade e, por consequência, o
crime), mas, na esfera tributária, a dívida continuará sendo exigida.
Euro Bento
Maciel Filho - mestre em Direito Penal pela PUC/SP. Também é
professor universitário, de Direito Penal e Prática Penal, advogado
criminalista e sócio do escritório Euro Maciel Filho e Tyles – Sociedade de
Advogados.
Henrique de
Matos Cavalheiro - pós-graduando em Direito Penal pela Escola Paulista da Magistratura,
advogado criminalista e associado do escritório Euro
Maciel Filho e Tyles –
Sociedade de Advogados.
Redes sociais - @eurofilhoetyles; https://www.facebook.com/EuroFilhoeTyles/
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