Em "o Retrato de Dorian Gray",
o personagem criado por Oscar Wilde tem as mudanças físicas que o tempo
determina transferidas para o retrato que tanto o encantara, enquanto ele, numa
vida de crescente devassidão, permanece eternamente jovem. Ainda mais sedutora
que a eterna juventude é a eternidade do poder. Sobre isso, escreve Oscar Wilde:
Influenciar
uma pessoa é dar-lhe a nossa própria alma. O indivíduo deixa de pensar com os
seus próprios pensamentos ou de arder com as suas próprias paixões. Suas
virtudes não lhe são naturais. Seus pecados, se é que existe tal coisa, são
tomados de empréstimo. Torna-se o eco de uma música alheia, o ator de um papel
que não foi escrito para ele.
Esse resultado, extremamente
gratificante, que produz tão radical entrega do "eu" alheio, é um
fenômeno comum na comunicação social. Durante séculos da história da imprensa,
o ambiente fumegante das salas de redação e o matraquear das máquinas de
datilografia, os estúdios de rádio e TV, eram espaços de um poder com titulares
eternos, desestabilizado pela atividade caótica, mas profundamente
democratizante das redes sociais. Esse
espaço é duplamente democratizante porque, de um lado está acessível a quem queira
ali atuar e, de outro, reduz a concentração de poder até então exercido por
número limitadíssimo de indivíduos.
Tornou-se frenético o mostruário das
interpretações. Quaisquer fatos se expressam em mil formatos e suscitam mil
boatos. Há um conflito aberto entre a mídia formal e as redes sociais. Aquela
se apresenta como sendo o jornalismo sério e declara as redes sociais como
ambiente prioritário das fake news.
Nem tanto ao mar, nem tanto à praia. A
grande mídia simplesmente não noticia boa parte do que não serve aos seus
objetivos. Ela pode ser, ou se tornar, tão politicamente orientada quanto
costumam ser muitas redes sociais. Alinhou-se de tal modo à esquerda brasileira
que esta tem preferido terceirizar sua ação política. Usa e abusa das fake análises.
Parece óbvio que veículos de grande público adotam cautelas para evitar o
terrível desconforto de divulgar notícias falsas (as conhecidas
"barrigas") que demandam constrangidos pedidos de desculpas. Não se
diga o mesmo, porém, sobre as análises incongruentes com os fatos, montadas
sobre premissas falsas.
Vejo com entusiasmo libertador a atividade
das redes sociais. É um território de comunicação povoado por analistas
brilhantes. Mas há também, nesse mundo caótico, o veneno das fake news, que só
servem para desacreditá-las. É preciso combater essa maldição que permite à
mídia militante dar vazão a seu antagonismo. Diariamente recebo dezenas de
notícias falsas, informações erradas, textos atribuídos a autores que não os
escreveram, imagens adulteradas.
A mentira, assim como a falsificação e outros
modos de enganar o próximo, é uma forma gravíssima de corrupção. É corrupção de
algo precioso, de um bem tão valioso quanto a esperança. A mentira é a
corrupção da verdade.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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