Desde o final do ano passado, o mundo assiste
triste cenas de morte, doença, inadequado e despreparado atendimento de saúde,
tudo em função do novo vírus que rapidamente circula pelo planeta, o COVID-19,
mais conhecido como novo Coronavírus. No Brasil, chegou em fevereiro, e
rapidamente vem se disseminando, causando grandes prejuízos, não só financeiros
e econômicos, mas sobretudo, à vida humana.
A Constituição Federal prevê que a saúde é um
direito de todos e um dever do Estado, cabendo a este garantir que todo cidadão
tenha acesso adequado aos sistemas de saúde, sendo responsável pela redução de
riscos de doenças e outros problemas e ele ligados (art. 6º e 196 da CF).
As autoridades de governo, na tentativa de conter o
avanço da propagação do vírus, que já se mostrou altamente contaminante,
decidiram por meio de lei e de portaria, pela internação compulsória das
pessoas que estiverem contaminadas e ou suspeitas de portarem o vírus e se
recusarem a efetuar tratamento e permanecer em isolamento, assim como se
determinou a quarentena em todo país, recomendando que todos aqueles indivíduos
tenham condições, permaneçam em suas casas, mantendo distanciamento umas das
pessoas, restringindo o contato interpessoal, evitando-se assim o contágio, com
o objetivo precípuo de manter a integridade da saúde e da vida da
coletividade.
Diante de tais notícias, foi mencionado que o não
cumprimento das recomendações de isolamento e quarentena seria passível de
penalização, inclusive com a prisão. Mas, será mesmo que ela é cabível? E em
caso positivo, em qual circunstância é aplicável a prisão? A resposta é
sim! é cabível a penalização, sendo a prisão uma medida excepcional, devendo
ser analisado caso a caso.
O Código Penal desde 1940 prevê crimes nos
quais há transmissão de doenças, de forma dolosa e ou culposa, colocando a vida
e a saúde coletiva em risco, como o contido no artigo 131- perigo de contágio
de moléstia grave: praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de
que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio. A pena é de 1 a 4 anos
de reclusão, e multa. Também, é crime expor a vida ou a saúde de outrem a
perigo direto e iminente, conforme o artigo 132 do mesmo Código Penal. A pena,
neste caso, é de detenção de 3 meses a 1 ano, se o fato não constituir crime
mais grave.
E não para por aí, tem-se nos artigos 267 e 268 do
Código Penal, os crimes de epidemia e infração de medida sanitária preventiva.
O Primeiro assim diz: causar epidemia, mediante a propagação de germes
patogênicos, pena de 10 a 15 anos de reclusão. Nos casos em que houver morte, a
pena é aplicada em dobro. Mas, quando comprovado que o ato foi culposo, ou
seja, que a pessoa não desejava a ocorrência, mas agiu com negligência,
imperícia ou imprudência, a pena será a detenção de 1 a 2 anos e se houver
morte, a pena passa para 2 a 4 anos de detenção. No segundo caso, qual seja,
infração de medida sanitária preventiva, ocorre quando se infringe determinação
do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença
contagiosa, cuja pena prevista é de 1 mês a 1 ano, e ela pode ser aumentada em
um terço, se a pessoa que infringir a normativa legal for funcionário da saúde
pública, ou exercer a profissão de médico, enfermeiro, dentista ou
farmacêutico.
Importante colocar que o crime previsto no artigo
268 do Código Penal, para se configurar, não se faz necessário que exista a
transmissão do vírus ou a efetivação da propagação da doença infectocontagiosa,
basta que se descumpra a lei.
Sabedor de que o vírus- COVID-19 é, em casos mais
graves, mortal, e tendo o agente transmissor ciência de que pode transmitir a
terceiros, colocando a vida destes em perigo, e se recusando a obedecer a
normativa, inclusive de ser mantido em isolamento ou nos casos mais leves, em
quarentena, estará sujeito não só a ser submetido a internação e tratamento
compulsórios, como também a prisão em flagrante ou cautelar/provisória
(preventiva, temporária), instaurando-se contra ela a investigação criminal e
processo penal. Dependendo do caso, o agente transmissor, agindo de forma
dolosa ou culposa, pode ser processado pelo crime de homicídio, previsto no
artigo 121 do Código Penal, já que a morte se dá em função da transmissão do
vírus (cuja pena pode chegar a 30 anos, nos casos de dolo); há anos os
Tribunais brasileiro vêm se posicionando como sendo cabível esta penalização
mais severa, quando comprovado que a transmissão foi dolosa, sendo exemplo
disso a transmissão do vírus HIV.
Há que se dizer que, não há crime por ser portador
da doença ou de um vírus, mas sim a conduta por ele adotada, qual seja, sabendo
ou ao menos ter ideia de que é portador do vírus, não pratica atos de evitar a
transmissão ou de manter contato direto com outras pessoas, quando pode e deve
estar isolado ou em quarentena.
É evidenciado o caso de uma pandemia, relativamente
ao novo vírus COVID-19, é hora de todos colaboramos e trazer à consciência
coletiva de que o direito individual não se sobrepõe ao coletivo, que a vida de
cada um nós tem a mesma importância, valorizando-a, como ato de humanização e
de solidariedade.
Roselle A.
Soglio - Advogada criminalista, especialista em Direito
Penal, Direito Processual Penal e em Perícias Criminais. Mestre e Doutora em
História da Ciência pela PUC/SP, professora de Direito Penal, Direito
Processual Penal, Criminalística e Medicina Legal, autora de diversas obras,
dentre elas Direito Processual Penal e Estatuto do Desarmamento
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