A obesidade infantil já é considerada uma epidemia
mundial e as perspectivas não são positivas. A adoção de mudanças importantes
para contribuir na reversão das estatísticas negativas precisam ser colocadas
em prática.
Em outubro de 2019 a Organização
Internacional World Obesity publicou o Atlas da Obesidade Infantil. O
documento mostrou que hoje cerca de 158 milhões de crianças de 5 a 19 anos
convivem com o excesso de peso e que esse número deve aumentar para 254 milhões
em 2030 em todos o mundo.
Segundo a Dra. Denise Lellis,
pediatra da Liga de Obesidade Infantil da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (FMUSP), no Brasil a tendência não é diferente. A especialista
aponta o que é preciso mudar para reverter o cenário atual.
Os dados da obesidade infantil também são altos no
Brasil?
Dra. Denise Lellis - Hoje o
país já atinge a marca dos 15% de suas crianças entre 5 e 9 anos com
diagnóstico de obesidade e a perspectiva é que em 2030 esse número aumente para
quase 23%, ou seja, 7,5 milhões de crianças e adolescentes, colocando o país em
quinto lugar no ranking com mais crianças obesas no mundo em números
absolutos, perdendo apenas para a China, Índia, Estados Unidos e
Indonésia.
A década da nutrição, estabelecida pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2016, definiu metas de saúde que, entre
outras coisas, envolvem diversas mudanças para a prevenção da obesidade
infantil em nível global. Entretanto, a absoluta maioria dos países não
atingirá nem 20% dessas metas até 2025 e o Brasil, além de ter cumprido apenas
2% das mudanças propostas até agora também representa um score de risco de
8 pontos em 11 para desenvolvimento de obesidade infantil de acordo com o Altas
da Obesidade.
A obesidade infantil é genética?
Dra. Denise Lellis - As últimas
décadas de estudos já esclareceram muito sobre o caráter multifatorial da
obesidade e, apesar do importante papel da genética na etiologia da doença,
quando falamos sobre excesso de peso em crianças de 5 anos, um ponto não pode
deixar de ser destacado. Elas refletem o ambiente em que estão inseridas.
Diante desse cenário, quais são os principais
desafios no combate à obesidade infantil?
Dra. Denise Lellis – Eu destaco
quatro principais desafios. A amamentação, por exemplo, pode
prevenir a obesidade infantil em pelo menos 40%, porém vimos números cada vez
menores de crianças amamentadas com leite materno exclusivo. No Brasil esse
número pode chegar a apenas 29%, enquanto as vendas das fórmulas infantis
aumentam exponencialmente.
Inúmeros estudos demonstram que a oferta de
alimentos ultraprocessados antes dos dois anos, em especial ricos em açúcar,
sal e gordura, moldam o paladar da criança para o consumo desses alimentos no
futuro. Entretanto, crianças de todas as idades continuam sendo bombardeadas de
propagandas desses alimentos, muitos deles oferecidos nas escolas, e as
famílias são induzidas a ofertá-los desde muito cedo, frequentemente com o
respaldo de profissionais de saúde.
A alimentação escolar é um outro
desafio na luta contra a obesidade infantil. Num momento histórico em que
muitas crianças iniciam a vida escolar aos seis meses, aprendem a comer e a se
relacionarem com a comida no ambiente escolar, a maioria das escolas sequer
conhece recomendações básicas da introdução alimentar como a não oferta de
alimentos ricos em sal, açúcar e gordura para bebês menores de um ano.
Outro ponto que pede mudança urgente é a capacitação
dos profissionais que lidam com a infância e com a obesidade infantil.
Competências não técnicas que permitam uma comunicação mais eficaz, empática e
capaz de engajar famílias em mudanças reais em busca de saúde é outra
necessidade urgente. Hoje 70% das recomendações médicas que envolvem mudança de
estilos de vida não são seguidas pelos pacientes e cerca de 30% dos encaminhamentos
para nutricionistas não chegam nem a marcar a primeira consulta, sem considerar
aqueles que vão à primeira consulta e não voltam ou também não seguem o que o
nutricionista orientou.
O quarto e último ponto que destaco é, na verdade,
um alerta para que todos os setores da sociedade tratem com mais cuidado e
atenção as mensagens enviadas para a infância. Enquanto
profissionais de saúde orientam a alimentação saudável, a publicidade voltada
para a criança estimula o contrário.
Na sua visão, o que é preciso acontecer para mudar
as estatísticas da obesidade infantil?
Dra. Denise Lellis - A ciência
do século XXI contempla o maior conhecimento que já existiu sobre nutrição,
metabolismo, fisiologia e exercícios. No entanto, as crianças nunca sofreram
tanto dos males causados por má alimentação e sedentarismo.
Estudos transgeracionais já demonstraram o poder
do comportamento parental na gênese e na prevenção da obesidade infantil. O
estilo de vida dos pais bem como a responsividade parental não apenas na
alimentação, mas na construção da rotina e comportamento dos filhos pode ser
uma das grandes respostas para a melhoria dos números em obesidade no futuro.
Um grande exemplo é o que estamos aprendendo com a
coorte transgeracional Growing up today Study (GUTS), um estudo que já
demonstrou que pais atentos aos seus filhos e que dão bons exemplos de estilo
de vida conseguem prevenir não apenas obesidade infantil mas os vários outros
comportamentos de risco na adolescência, como uso de drogas e transtornos
alimentares. Ou seja, inserir a criança num ambiente de mensagens, atitudes e
exemplos coerentes o quanto antes é a grande oportunidade das gerações
futuras.
Dra. Denise Lellis – Doutora em
Pediatria pela USP, é membro do departamento de Obesidade Infantil da ABESO
(Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica),
pediatra da Liga de Obesidade Infantil da FMUSP e Coordenadora do curso de
Nutrologia Pediátrica para consultório do CAEPP (Centro de Apoio ao Ensino e
Pesquisa em Pediatria).
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