Conhecer
o passado para compreender o presente e idealizar o futuro. A frase, creditada a
Heródoto, encaixa-se perfeitamente em uma elaboração mais crítica dos alicerces
da educação no país. O embrião do ensino no Brasil data de 1549 e tinha
por foco a catequização conduzida pelos primeiros jesuítas que desembarcaram na
Bahia. Com uma estreita relação com o governo português e estruturada pela Igreja
Católica, as primeiras escolas eram improvisadas: para os alunos indígenas, as
aulas eram ministradas nas missões; para os filhos dos colonos, em colégios.
Sem formação específica e com objetivo doutrinário, os sacerdotes-professores
adotavam o teatro e a poesia como estratégia pedagógica e instrumento de
transmissão da doutrina católica – valores morais, cultura europeia e
disseminação da Língua Portuguesa. Em 1759, quando os padres foram expulsos do
país e de Portugal pelo Marquês de Pombal, houve o início de uma reforma na
educação com o objetivo de modernizar o reino de Dom José I. Em substituição
aos religiosos, professores públicos (régios): laicos que foram contemplados
com títulos de nobreza. Nessa origem, está o nosso modelo de ensino.
Pouco
mais de dois séculos depois, a tecnologia começou a dar as caras na educação
brasileira. Assim como nos Estados Unidos, no Brasil foi o ensino superior quem
primeiro contou com os benefícios dos então potentes processadores de dados. O
debate sobre uso de computadores no processo de ensino-aprendizagem foi
protagonizado pela Universidade Federal de São Carlos (SP) que discutia, em
1971, como usar a nova tecnologia para o ensino de Física. Disseminando-se em
outras faculdades, logo a questão chegou até a educação básica por meio de
políticas públicas. Em 1989, o governo federal criou o Programa Nacional de
Informática na Educação (Proninfe), predecessor do famoso Programa Nacional de
Tecnologia Educacional (Prinfo), de 1997.
Essa
movimentação em favor da inclusão das Tecnologias da Informação e Comunicação
(TIC) no ambiente de aprendizagem foi coerente com o momento: na década de 1990
que houve a massificação dos computadores, que passaram a dominar o cotidiano.
De lá para cá, a forma de ver, se comunicar e interagir com o mundo, virtual e
físico, é outro. Se demorou menos de três décadas para que essa revolução
acontecesse, como é possível prever o que mais vem por aí?
Diante
da herança secular, da origem do sistema educacional brasileiro, das
iniciativas de cinco décadas de debates sobre o uso das TIC na educação e da
arraigada crença de que “somos o país do futuro”, como trazer a educação do
futuro para o presente? Para responder à questão, cabe fazer outros
questionamentos bastante críticos. A primeira pergunta que devemos responder –
pais, educadores e toda a comunidade escolar – é qual formação queremos
garantir para os jovens. Se queremos promover os desenvolvimentos necessários à
realização pessoal, à cidadania ativa, à inclusão social e ao emprego,
precisamos pensar nas demandas do futuro que já estão presentes. Peço desculpas
pelo trocadilho.
A
cada momento, nos deparamos com novas tecnologias e novas profissões; estamos
falando de inteligência artificial, biotecnologia e realidade virtual...só para
começar. Apesar das incertezas, a tendência é clara e teremos cada vez menos
ocupações que exigem competências meramente técnicas. Hoje, o mercado de
trabalho nos cobra competências que não estão sendo estimuladas no modelo
passivo de aprendizagem – que envolve colaboração, pensamento crítico,
comunicação e criatividade, entre outras habilidades.
Para
trazer a educação do futuro para o presente, devemos trabalhar para educar uma
nova geração de brasileiros autônomos, críticos, inovadores, capazes de se
reinventarem diante das novas demandas e das rápidas transformações mundiais. E
isso passa pelo uso da tecnologia dentro da sala de aula, mas dentro de um
contexto de intencionalidade pedagógica. Não podemos correr o risco de ensinar
conteúdos que ficarão obsoletos; buscamos ensinar o aluno a aprender cada vez
mais. Óbvio que temos o desafio de contextualizar esse uso e auxiliar os jovens
a lidar com os desafios e oportunidades apresentados pelo mundo digital. Mediar
esse conhecimento digital é uma tarefa que a comunidade escolar deve assumir.
Na
minha análise, para trazer a educação do futuro para o presente temos que
desmistificar a noção de que a tecnologia desumaniza; ao contrário, ela
possibilita que o professor foque no que realmente importa, porque traz tempo,
dados e possibilidades de personalização. Além disso, pode habilitar
aprendizagens ativas e significativas. O fato é que as escolas têm sentido
o peso do tempo. O desafio educacional proposto pelo século XXI tem sido
pautado pela urgência de formar cidadãos preparados para lidar com
complexidades de um contexto no qual a tecnologia avança de maneira
exponencial. E, cabe aqui, destacar que o Colégio Avance está sendo pioneiro,
em Tangará da Serra, nesse processo inovador. Neste cenário e diante da
impossibilidade de prevermos as profissões que surgirão na próxima década – 85%
das profissões que teremos em 2030 não existem hoje, de acordo com a Dell Technologies –,
educadores e pais vivenciam a demanda de formar indivíduos críticos e
colaborativos, capazes de compreender o ambiente local, regional e até
internacional para criar formas para impactar positivamente a sociedade.
A
tecnologia já revolucionou diversos setores. Da agricultura à medicina são
muitos os exemplos no qual o suporte digital abre novas oportunidades,
potencializando benefícios e otimizando rotinas. O setor educacional,
entretanto, apresenta-se como um contraste à tendência. Justamente no segmento
que lida com uma geração que já nasceu conectada, a tecnologia tende a ser
deixada do lado de fora da sala de aula. Quando pensamos que os primeiros
debates sobre uso de tecnologia no ensino são da década de 1970 – e as
primeiras políticas públicas do final dos anos 1980 –, temos a dimensão do peso
do tempo que as escolas carregam e há quanto estamos negligenciando o que para
outros países já é um debate superado e colocado em prática. Em visita recente
da equipe da Geekie a escolas da Nova Zelândia e Austrália – acompanhando
educadores de 30 estabelecimentos de ensino integrantes da Rede de Escolas
Associadas da UNESCO (Organizações das Nações Unidas para Educação, Ciência e
Cultura) – vimos que a proposta de formar cidadãos para o século XXI com apoio
da tecnologia já permeia o sistema educacional há alguns anos. Neste
contraponto, se considerarmos também a herança secular de nossa educação, a
dimensão da falta de preparo das nossas escolas para as demandas atuais fica
ainda maior; está presa, inclusive, a um passado que precisa sair da essência
da escola e se limitar às páginas dos conteúdos de história.
Despertar
no aluno o gosto por aprender continuamente e desenvolver uma grande capacidade
de adaptação são habilidades que estão no cerne de profissões que ainda nem
existem. Levantamento da Fundação Instituto de Administração (FIA) – que aponta
as 45 profissões do futuro – traz atividades como advogado especialista em
proteção de dados; analista de Big Data; analista de comunicação com máquinas;
analista de ética; atendente virtual de pacientes; cientista de dados;
conselheiro de tecnologia na área da saúde; consultor (agricultura urbana, de
entretenimento pessoal, espiritual, financeiro de criptomoeda); corretor de
seguros de dados; curador de dados pessoais; designer instrucional; designer de
realidade aumentada; detetive de dados; diretor de cloud computing; diretor de user experience
(UX); engenheiro de energias renováveis; gestor de Edge Computing; e
gestor de inteligência artificial para smartcities.
Esses são apenas poucos exemplos de profissões que nossos jovens vão exercer. E
para as quais devemos, pais e educadores, prepará-los. Sentiu o peso da
responsabilidade?
Como
mestre em Educação e com a experiência que adquiri em sete anos de atuação da
Geekie – mais de 12 milhões de alunos –, entendo que a maneira de pensar e
processar conhecimento é fundamentalmente diferente para crianças e jovens que
nasceram expostos a um volume imenso e constante de informação. E isso
interfere diretamente nas estratégias de aprendizagem que precisam ser
desenhadas. Para estudantes no século XXI, a interação, a motivação e a
linguagem possibilitada pelo digital – e o envolvimento ativo com o conteúdo –
são muito importantes na construção do conhecimento. No Brasil, para trazer a
educação do futuro para o presente, temos que ter coragem, sobretudo os pais,
para reconhecer que enquanto a inovação tem sido tratada pelas corporações
privadas como uma questão estratégica, permanece como uma agenda política
marginal na maioria dos sistemas educacionais. Para mudar esse cenário é preciso
transformar a escola e o mindset de pais e educadores.
Claudio Sassaki - mestre em Educação
pela Stanford University e cofundador da Geekie, empresa referência em educação
com apoio de inovação no Brasil e no mundo.
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