A
fotografia da América Latina em outubro de 2019 é marcada por uma onda de
protestos no Chile e no Equador, uma crise constitucional no Peru e eleições na
Bolívia, no Uruguai e na Argentina.
O
Chile, caso de maior radicalidade, governado pelo presidente Sebastián Piñera,
declarou estado de exceção desde que a onda de protestos se proliferou em todo
o país. O estopim da crise social iniciou em Santiago, quando os estudantes
secundaristas começaram a se manifestar contra o aumento do preço da passagem
de metrô na capital. Grande parte da população depende desse meio de locomoção
e os custos com o transporte público formam uma parte significativa das
despesas correntes dessa fatia da população. A resposta inicial de Piñera,
entretanto, foi de criminalizar o movimento estudantil e adotar medidas
demasiadamente repressivas contra o levante. Em poucos dias, o exército foi
acionado e o estado de exceção foi declarado. O atrito entre população e
exército acendeu as memórias ainda vivas da ditadura militar encerrada no final
dos anos 80. O choque e a radicalização de ambos os lados criaram um grau de
tensão social que já conta com dezenas de mortos, muitos estabelecimentos
depredados e saqueados e com inúmeras prisões decretadas.
A
crise social no Equador, uma república presidencialista governada por Lenin
Moreno, sucessor político e antigo vice-presidente de Rafael Correa, tem sua trajetória
política originada nos círculos do Movimento de Izquierda Revolucionária. Como
presidente, entretanto, iniciou o mandato com um pacote econômico de
austeridade, cortando gastos públicos, eliminando subsídios e, sobretudo,
recorrendo a empréstimos do Fundo Monetário Internacional. O início da
crise social ocorre quando o corte de subsídios atinge o preço dos
combustíveis, mais que dobrando o preço da gasolina e do diesel. Como
resultado, uma onda de protestos sociais protagonizados pelos grupos indígenas,
uma parte representativa da população equatoriana, bloqueia estradas e ocupa as
ruas da capital, Quito. O choque entre governo e população já acumula quase uma
dezena de mortos e milhares de feridos, além da transferência da capital de
Quito para Guayaquil.
Ao
contrário do Chile e do Equador, Bolívia e Argentina vivem um estado de
relativa estabilidade social, ainda que condicionada pelo calendário eleitoral.
A república representativa democrática presidencial boliviana recepcionou
eleições que indicaram vitória no primeiro turno do indígena da etnia Aimará
Evo Morales. O presidente tem suas raízes no movimento sindical indigenista e
defende bandeiras como a reforma agrária, a nacionalização de setores da
economia combinada à cooperação internacional com o setor privado em matéria
industrial. Apesar de o processo ter sido contestado pela oposição e a
Organização dos Estados Americanos estar investigando a condução das eleições,
Morales ainda se mostra como o candidato mais competitivo.
Por
fim, a democracia representativa republicana da Argentina recepcionou um
processo eleitoral no fim de semana que elegeu a chapa peronista de Alberto
Fernández e Cristina Kirchner. Destituindo a tentativa de reeleição de Maurício
Macri, a chapa eleita está atrelada às bandeiras históricas da justiça social e
do papel intervencionista do Estado. Macri entregou o país com cinco heranças
macroeconômicas negativas: i) uma deterioração das reservas de dólares; ii) uma
grande desvalorização cambial; iii) a contração de uma nova dívida externa com
o FMI; iv) uma taxa de inflação na casa de 40%; v) uma taxa de desemprego em
10%. Cenário que o grupo peronista terá de responder em um curto espaço de
tempo.
Enfim,
a fotografia política de boa parte da América Latina no fim de outubro permite
breves considerações gerais: em primeiro lugar, nota-se que a experiência
democrática latino-americana contempla o potencial permanente de transição
entre as elites político-partidárias a cada ciclo eleitoral; em segundo, que os
modelos econômicos chileno e argentino são menos previsíveis do que os
receituários clássicos apresentam. Isso significa, por um lado, que a percepção
de parte da opinião pública sobre medidas de austeridade no curto prazo nem
sempre consegue corrigir problemas inflacionários ou desequilíbrios sociais; em
terceiro, que o caleidoscópio político latino americano alterou suas
tonalidades, influenciado pelos novos tons da Casa Rosada e pelo levante por
mais direitos sociais no Chile.
André Frota -
professor dos cursos de Relações Internacionais e Ciência Política e membro do
Observatório de Conjuntura do Centro Universitário Internacional Uninter.
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