Falar
duas ou mais línguas é considerado cada vez mais importante em um mundo
globalizado e multilíngue, principalmente quando se trata de idiomas de
prestígio, como inglês, francês ou alemão. Muitos pais acreditam que dar a seus
filhos a oportunidade de aprender outras línguas, desde cedo, seja fundamental
para assegurar êxito profissional e pessoal. A expectativa é de que esse
investimento no potencial das crianças funcione como uma “fórmula de sucesso”,
capaz de garantir excelentes oportunidades de emprego e lazer no futuro.
Entretanto,
se por um lado é grande o número de pais que se preocupam em garantir que seus
filhos comecem a aprender outras línguas, desde cedo, para evitar que as
crianças passem pelas dificuldades que eles tiveram, por outro, o bilinguismo
ainda é um tema que gera dúvidas e apreensão, muitas delas resultantes de
décadas de desinformação e preconceito.
Muitos
mitos e fake news foram criados com relação aos efeitos
maléficos do bilinguismo na fase infantil, que implicaria em uma possível
dificuldade no aprendizado da língua-mãe ou ainda em casos de déficit de
atenção. No entanto, a Neurociência tem demonstrado, na prática, que se trata
de equívocos e vem desmistificando alguns desses mitos. A verdade é que, em
condições normais, as crianças aprendem a falar qualquer língua sem esforço, da
mesma forma como aprendem a caminhar, andar de bicicleta.
O
bilinguismo infantil funciona de modo distinto do que ocorre no aprendizado de
uma língua adicional na idade adulta: é um processo espontâneo que acontece
naturalmente, desde que a criança possua oportunidades amplas de ouvir as duas
línguas e tenha motivação suficiente para usá-las. As pesquisas comprovam ainda
que os estágios de desenvolvimento da linguagem são os mesmos, no caso das
crianças monolíngues e bilíngues, independentemente da condição social das
famílias e da quantidade de exposição que elas possuam de suas línguas.
Crescer
com mais de uma língua pode trazer uma série de vantagens linguísticas e
cognitivas. Uma dessas é justamente o maior conhecimento da estrutura e
funcionamento da linguagem e uma maior habilidade de, precocemente, distinguir
entre forma e significado das palavras, uma capacidade denominada consciência
metalinguística, que é considerada essencial para o desenvolvimento
bem-sucedido da leitura e da escrita.
Isso
se deve, em parte, ao fato de os bilingues fazerem uso de palavras distintas
para um mesmo objeto, uma em cada língua, sendo capazes de expressar um mesmo
conceito de maneiras distintas. Além disso, as crianças bilingues
parecem possuir uma maior capacidade de reconhecer que as pessoas podem
perceber o mundo a partir de perspectivas diferentes, devido à prática
constante que possuem de escolher a língua de acordo com o contexto que estão
inseridas.
Há
evidência, ainda, que as crianças bilíngues demonstram ser capazes de gerenciar
o controle de atenção precocemente em relação às crianças monolíngues, focando
a atenção e ignorando detalhes irrelevantes com mais facilidade, mostrando ter
também mais sucesso ao executar tarefas simultaneamente ou ao mudar de tarefa
rapidamente, uma habilidade conhecida como flexibilidade cognitiva.
Além
disso, a “mistura” de línguas, chamada de code-switching, é um
fenômeno que caracteriza a fala bilíngue em todas as idades e, de forma alguma,
revela aquisição incompleta das línguas. Pelo contrário, o que as pesquisas
atuais comprovam é que os bilíngues fazem uso otimizado de suas línguas, sempre
considerando o contexto no qual estão inseridos, usando somente uma língua
sempre que necessário ou usando duas quando a interação permitir essa
alternância, não trazendo efeitos negativos para a compreensão da sua mensagem.
As
crianças capazes de falar mais de uma língua com fluência são consideradas
muitas vezes pequenos gênios superdotados. Entretanto, sabe-se que o domínio de
duas ou mais línguas não resulta em maior inteligência. O fato é que o
desenvolvimento das capacidades cognitivas decorrente da aprendizagem de
línguas adicionais, em qualquer idade, traz vantagens aos bilíngues em muitas
situações da vida cotidiana.
As
vantagens bilíngues demonstradas por meio de estudos de neurociência derivam do
fato de que o cérebro bilíngue deve, constantemente, gerenciar duas línguas que
estão ativas ao mesmo tempo. O cérebro de uma criança não conhece a diferença
entre línguas de prestígio, línguas minoritárias ou dialetos. Como é a
coexistência de mais de uma língua no cérebro que traz vantagens, o aprendizado
de qualquer idioma propicia o desenvolvimento das crianças, uma vez que todas
as línguas são recursos linguísticos e cognitivos, além de sociais e culturais.
Profa. Dra.
Ingrid Finger - coordenadora do Laboratório de Bilinguismo e Cognição da UFRGS
– Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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