No dia 11 de junho de 2019
foi publicada a Circular nº 587 exarada pela Superintendência de Seguros
Privados, que dispõe sobre regras e critérios para a elaboração e a
comercialização de planos de seguro no ramo Fiança Locatícia. A sobredita
Circular contém 29 artigos e neste último se revoga a Circular SUSEP nº
347/2007. Vejamos algumas considerações, notadamente pinçando alguns
dispositivos insertos nesta Circular, que, a meu juízo, julgo adequados
comentar sem prejuízo de outros pertinentes e que, de fato, propositadamente,
deixo de registrá-los neste ligeiro ensaio.
O artigo 2º diz que a fiança
locatícia se destina a garantir o pagamento de indenização ao segurado, pelos
prejuízos que venha a sofrer em decorrência do inadimplemento das obrigações
contratuais do locatário previstas no contrato de locação do imóvel, de acordo
com as coberturas contratadas e limites da apólice.
Uma primeira constatação que
me parecer ser pertinente e altamente adequada ao tema se refere ao que
preceitua o inciso IV, do artigo 779 do CPC que dispõe sobre à possibilidade do
processo de execução ser promovida contra "o fiador do débito constante em
título extrajudicial", vale dizer, aquele que garante satisfazer ao credor
uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.[1]
Neste sentido, significa
dizer que um "terceiro" assume com o locatário a obrigação, se se
obrigou como principal pagador, ou devedor solidário (inciso II, do artigo 828
do Código Civil), de pagar o débito que aquele deve em razão do inadimplemento
locatício. A função do seguro é exatamente esta, ou seja, acobertar na falta de
pagamento de alugueis, sob a rubrica de cobertura básica, o valor que o
inquilino deixa de pagar.[2]
Até porque, como prevê o §
2º do art. 2º da Circular o plano de seguro fiança locatícia poderá prever
outras coberturas para garantir as demais obrigações do locatário a título de
contratação facultativa, como por exemplo, coberturas adicionais tipo: (a) pagamento
de condomínio; (b) IPTU; (c) danos ao imóvel locado, entre outras,
evidentemente, com a aceitação da seguradora imbricada a um prêmio complementar
por tais coberturas.
A Circular em comento
contextualiza a posição doutrinária de se cuidar a fiança locatícia de um pacto
adjeto, isto é, funciona como um contrato acessório ao contrato de locação.[3]
Um aspecto que convida a
atenção do leitor diz respeito a um elemento que se inseriu na Circular em
tela: "expectativa de sinistro que seria o período compreendido entre a
primeira inadimplência do garantido e a caracterização de sinistro".[4]
Impende ressaltar que no
Direito Civil a expectativa de um direito está prevista na parte geral, quando
trata no Capítulo III da Condição, do Termo e do Encargo.[5]
Assim, o negócio jurídico (no caso o contrato de locação jungido com a
prestação de fiança) estará subordinado a um evento futuro e incerto, que para
a Circular é caracterizado por uma primeira inadimplência. Data vênia, se inova
ao se agasalhar no direito securitário com esta expressão (primeira
inadimplência) um conceito multissecular próprio das condições suspensivas
ou resolutivas imbricadas no direito material. Quid juris???[6]
Da mesma forma o artigo 21
da Circular em pauta fala na expectativa de sinistro ocasião em que a
seguradora poderá prever o pagamento de adiantamentos ao segurado,
correspondentes aos valores inadimplidos, até que o sinistro seja
caracterizado. Faço tal afirmação frente ao fato de que o inciso IV, do artigo
4º, da norma em comento preceitua sinistro como a inadimplência das obrigações
do garantido, rectius, (locatário do imóvel), cobertas pelo seguro.
No que concerne às
coberturas facultativas que elenquei acima sob item "c", convido a
atenção do leitor para o que está regrado no artigo 25 da mencionada Circular,
ou seja, quando contratada cobertura para danos físicos ao imóvel e em caso de
divergências sobre a avaliação dos danos ao imóvel haverá a designação de um
perito independente. Aqui, calha à fiveleta, o que disse o grande jurisconsulto
Santiago Sentís Melendo, magistrado espanhol exilado na Argentina, ao
afirmar que a prova testemunhal nasce antes do processo, ao passo que a
pericial nasce com o processo.
Por fim, salvante o que
disse alhures no que pertine a "criação da figura nominada como
expectativa de sinistro" rotulado como verdadeiro sinistro, de lege
lata, artigo 771 do nosso Código Civil e, de lege ferenda,
artigo 70 do PLC nº 29/2017, a Circular em pauta além de moderna vem
colmatar uma série de lacunas existentes em nossa legislação pertinente à
espécie.
Que após 180 dias, contados
da data de sua publicação[7] a nova
regulamentação sobre fiança locatícia traga verdadeira segurança jurídica a
todos os que dela se valham. Sub censura. Iter speratur!
Voltaire
Marensi - coordenador da área de Direito Securitário do Franco Advogados e da Cátedra de Direto dos
Seguros da Academia Nacional de Seguros e Previdência
[1] Artigo
818 do Código Civil.
[2] §
2º do art. 2º da Circular nº 587/2019.
[3] Art. 3º
da Circular referenciada.
[4] inciso
III do art. 4º.
[5] Artigo
121 e seguintes do Código Civil.
[6] Vide artigo
121 do Código Civil.
[7] Art. 27
da Circular nº587/2019.
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