quinta-feira, 27 de junho de 2019

O véu que encobre o casamento infantil no Brasil



País ocupa a quarta posição no ranking mundial de uniões de meninas


Em um país onde as pessoas ainda se surpreendem ao saber que ocupamos a quarta posição no ranking mundial de casamentos infantis de meninas em números absolutos, ainda precisamos falar muito sobre o tema. Mais do que falar, precisamos tirar o véu que encobre os casamentos e as uniões forçadas e precoces de meninas adolescentes e compreender que os direitos delas somente serão atendidos quando for alcançada a igualdade entre meninas e meninos.

O estudo “Tirando o Véu”, que a Plan International Brasil acaba de lançar, com o apoio da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO), que cuidou dos aspectos éticos da pesquisa, teve como principal objetivo conhecer o tema a partir das percepções e vivências de diversos sujeitos sociais, especialmente das meninas e dos meninos diretamente afetados pela questão. Mas a pesquisa também traz a visão de responsáveis, maridos, mulheres de 18 a 25 anos que se casaram meninas, representantes das comunidades, dos órgãos oficiais locais, nacionais e especialistas. Mais do que conhecer, nosso objetivo é trazer luz à questão.

Este é um estudo qualitativo realizado pela Plan em oito países: Brasil, Bolívia, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Peru e República Dominicana. Começamos a conhecer os resultados pelo Brasil. Acreditamos que a mudança só terá um resultado duradouro se passar por três dimensões. Primeiro a de normas sociais, atitudes, comportamentos e relações, jogando luz sobre a discussão sobre gênero e sexualidade, direitos sexuais e reprodutivos. Depois pelo marco político legal e os pressupostos, ao tornar o combate ao casamento infantil um problema que demanda políticas públicas. E por último na dimensão dos recursos econômicos e das redes de segurança social, para que o Estado, as políticas públicas e a sociedade civil assumam sua responsabilidade na criação de estruturas e oportunidades que permitam que meninas e meninos tenham escolhas. E que essas escolhas estejam realmente alinhadas à construção de seus projetos de vida.

Gostaria de destacar dois relatos de meninas e meninos no estudo:

O primeiro de um jovem que participou do grupo focal, de 15 a 17 anos

“Nós, homens, desde pequenos somos pressionados a fazer sexo. Eu perdi a virgindade com 14 anos porque um tio meu me obrigou dizendo que se eu não fizesse ia passar o resto da vida me chamando de gay. Se fosse por mim, eu teria esperado, não teria feito pelo tempo de ninguém, teria esperado meu tempo.”

O segundo, de uma jovem de 20 anos, que se casou aos 10 com um marido de 19. Na época da pesquisa, ela estava gravida de trigêmeos.

“Eu não vou mentir a você, eu dei muita sorte, viu? Eu engravidei com 11, tive com 12, engravidei com 12, tive com 13 e assim, o pai das minhas filhas está comigo até hoje. Ainda vem três meninos para terminar de contemplar. Se fosse outro homem, abandonava e largava. Ele assumiu a mim e as minhas filhas”.

Esses dois relatos nos fazem perceber a profundidade das questões que estão em torno do casamento infantil e como as relações se constroem e afetam a vida das pessoas, especialmente das meninas. Temos que continuar esse esforço de reflexão sobre o casamento infantil, pois estamos convencidos de que só seremos capazes de enfrentar de frente esse problema quanto mais compreendermos suas causas e consequências e dar respostas eficientes desde o campo de atuação e de poder de cada uma e cada um de nós.




Cynthia Betti - diretora-executiva da Plan International Brasil. Pedagoga pela Universidade de São Paulo, tem MBA em Gestão Estratégica pela FGV, com especializações executivas no Programa de Desenvolvimento Diretivo pela Universidad de Alcalá de Henares, Advanced Management Program pelo IESE Business School/Universidad de Navarra, Programa de Gestão Avançada pela Fundação Dom Cabral/INSEAD. Tem experiência de 30 anos no setor corporativo em empresas farmacêutica, química e de seguros, nas áreas de Planejamento Estratégico e Recursos Humanos. Casada há 26 anos, é mãe de Isabella e Giovanna.


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