"O que te trouxe aqui,
não te levará até lá”. A célebre frase do coach norte-americano Marshall Goldsmith, que dá título a seu livro, sua
como uma espécie de mantra que precisa ser recitado diariamente por todos os
profissionais do século XXI. Contudo, a grande maioria parece preferir ignorar
que as velhas receitas não têm mais surtido os mesmos efeitos. Estamos vivendo
o século XXI com a mesma mentalidade do século XX.
Para entender
melhor a necessidade latente de mudar a forma como pensamos, cabe refletirmos
um pouco sobre a história da humanidade. A sociedade se organizou em grupos,
trocando mercadorias que eram cultivadas por suas próprias famílias. Na era
agrícola, que esteve vigente até 1750, tínhamos comunidades agrárias, que usava
a terra como forma de sustento. Mais para o fim dessa era, foram criadas
pequenas máquinas, onde o produtor possuía os meios de produção. Os artesãos
conheciam todo o ciclo: da compra da matéria-prima até a venda. As famílias
produziam juntas e as tradições eram transmitidas de geração para geração.
Logo após
esse período, em torno de 1750, a humanidade viveu a chamada Revolução
Industrial, dando sequência a uma nova era. Com o desenvolvimento da energia
elétrica e das máquinas à vapor, tivemos a segmentação do trabalho e a larga
escala. Cada trabalhador passou a fazer apenas uma parte do processo, não tendo
conhecimento do todo. Dessa forma, era necessário desenvolver um raciocínio
linear, segmentado, repetitivo e previsível. Quem apertasse o maior número de
parafusos no menor período de tempo, seria eleito o melhor funcionário da
fábrica.
Com o avanço
das tecnologias, na década de 1990, entramos na era digital, ou era da
informação. As distâncias diminuíram e vimos o mundo se globalizar. Muitas
profissões deixaram de existir e outras foram criadas. Tivemos acesso ao
trabalho remoto e compartilhado, onde o escritório pode ser em qualquer lugar.
O raciocínio passou a ser não-linear, conectado, multidisciplinar e
imprevisível. Passamos a viver múltiplas experiências simultâneas, recebendo
informações de vários canais de forma instantânea. Novos modelos de negócios
surgiram e vimos o nosso cotidiano se modificar drasticamente.
Apesar das
imensas transformações que já duram quase três décadas e mostram que a mudança
e a liquidez são a nova constante, algo parece continuar intacto em todo esse
processo. Por mais incrível que pareça, continuamos com o mesmo pensamento
linear, segmentado, repetitivo e previsível que aprendemos na era industrial.
Muito dessa questão deve-se ao fato de que, embora a nossa rotina tenha se
transformado tanto, a nossa forma de aprender se manteve praticamente intacta.
Em pleno
século XXI, nossas crianças ainda vão para as escolas uniformizadas, são
classificadas por idade e não por aptidões e interesses, ouvem um alarme para
sinalizar o horário da entrada, do intervalo ou da saída. Tudo perfeitamente
preparado para que elas saiam dali e estejam aptas a trabalhar em uma fábrica.
As escolas surgiram na era industrial justamente para facilitar esse trabalho
massificado e escalável. Quanto mais “dentro da caixa” uma pessoa estivesse,
mais lucro traria para o dono da fábrica.
O fato é que
hoje o mundo não funciona mais desse jeito. O setor de serviços só cresce. As
novas tecnologias estão possibilitando a criação de negócios que seriam
impossíveis em outros tempos. Sendo assim, fazer carreira em uma fábrica não é
mais a única opção para um profissional. Existe um universo de possibilidades
e, por mais que muitos temam que os robôs roubem nossos empregos, creio que
eles vão apenas criar novas oportunidades de trabalho.
Agora,
estamos entrando em uma nova era, a chamada GNR (Genética, Nanotecnologia e
Robótica). Vamos ver cada vez mais novidades que vão impactar a nossa saúde, o
nosso trabalho, as nossas relações sociais e o nosso jeito de viver. E,
acredite, isso é muito bom! Quem teme um universo de escassez, onde a
inteligência artificial dominará o mundo, está pensando de forma linear, com um
olhar para o passado e não para o futuro. Sair da zona de conforto incomoda,
dói, dá trabalho. Mas, se pensarmos bem, vamos ver que a humanidade só progrediu
até hoje. As máquinas aliviaram o trabalho do homem e possibilitaram um mundo
de descobertas.
Não imagino
que pessoas que tinham como trabalho ascender lampiões no século XVII, tenham
morrido de fome quando foi inventada a lâmpada, por Thomas Edison. O mesmo não
deve ter acontecido com os cocheiros quando houve a substituição das charretes
pelos automóveis. O que dizer então dos ascensoristas, que até pouco tempo
atrás passavam a vida subindo e descendo de elevador entre os andares de um
prédio? Por mais digna que todas essas profissões tenham sido, hoje elas não
são mais necessárias. Muitas outras foram criadas. Tenha em mente que todo
trabalho que a máquina faz melhor que o humano, é um trabalho desumano.
Estamos
vivendo a era do propósito. O sentido do trabalho vai muito além de pagar as
contas. Aliás, a vida como um todo precisa de sentidos mais profundos. Não tem
muita lógica vivermos 60, 70, 80 anos trabalhando para pagar boletos e fazendo
dietas para emagrecer. Precisamos ir em busca de significados e prazeres que
vão muito além de estar em dia com as contas e a balança. Queremos construir
uma história. Queremos ser protagonistas e não meros coadjuvantes. Queremos
criar e não apenas consumir.
Nesse
sentido, precisamos repensar nossas vidas e nossas carreiras. Mas, se fizermos
isso usando a mesma cartilha que tivemos até aqui, entraremos em desespero e
sofrimento, receosos pelo futuro. Como disse Goldsmith, o que nos trouxe até
aqui não será suficiente para nos levar adiante. É hora de agradecer ao
passado, aproveitar o que faz sentido e recomeçar. Estamos entrando em um
momento onde é necessário divergir para convergir. Descontruir para
reconstruir. Pode parecer estranho e muito desconfortável no começo, e de fato
é mesmo, mas com o tempo isso se tornará um hábito. Logo, você estará pensando
de uma forma diferente, muito mais coerente com os dias atuais.
Carl Jung, um
dos maiores psiquiatras da história, disse que “todos nós nascemos originais e
morremos cópias”. Quando crianças, somos espontâneos, inocentes e não nos
preocupamos com as convenções sociais. Somos criativos, leves, fluidos. Mas,
nossos pais logo tratam de nos moldar, impondo regras e ensinando boas
maneiras. Depois, vamos para as escolas e o trabalho de formatação em caixas sólidas,
rígidas e inflexíveis é concluído com maestria. Quando recebemos nossos
diplomas, nos sentimos prontos para o mundo. Só que esse mundo simplesmente já
não existe mais.
Num
contexto em que a tecnologia terá ainda mais aplicações, eliminando o trabalho
do homem, teremos que nos superar, sendo muito melhores naquilo que eles jamais
conseguirão fazer. O Diretor do
departamento de Educação e Competências em Educação da OCDE - Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, Andreas Schleicher, diz que
“a escola tem de conseguir produzir humanos de primeira, não pode continuar a
originar robôs de segunda”.
Aquele velho
dilema dos alunos decorarem dezenas de fórmulas, sem saber o verdadeiro sentido
de suas aplicações, parece finalmente estar sendo questionado. Avaliações que
levam em consideração apenas o erro e o acerto, deixando de lado conceitos como
a estratégia, o esforço e o progresso de cada estudante começam a perder lugar.
Uma educação focada em preparar pessoas para o vestibular e não para a vida,
não faz mais o menor sentido na era GNR.
O século XXI
requer o desenvolvimento das competências comportamentais, sociais e
principalmente emocionais. Precisamos criar seres originais, inventivos,
criativos e autênticos. Chega de retroalimentar aquele velho ciclo de trabalhar
mais do que deve, para comprar o que não precisa, com um dinheiro que não tem,
a fim de impressionar quem a gente nem gosta. É hora de recriar a nossa
existência. Para isso, precisamos, antes de mais nada, buscar novas formas de
pensar, projetadas para o futuro e não para o passado. Andar para a frente
olhando apenas o retrovisor certamente não vai nos levar “até lá”.
Marília Cardoso - jornalista, com
pós-graduação em comunicação empresarial e MBA em Marketing. É empreendedora,
além de coach, facilitadora em processos de Design Thinking, consultora e
professora de inovação. Ama aprender e é adepta do Growth Mindset.
Nenhum comentário:
Postar um comentário