O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vistoriou, entre janeiro e abril de 2018, 33 estabelecimentos penais femininos que custodiam mulheres grávidas e lactantes. As visitas representaram uma ação inédita do Poder Judiciário nos cárceres brasileiros a fim de verificar as condições das presas gestantes e que estão amamentando.
A
partir destas observações dos presídios feminino, a presidente do CNJ, ministra
Cármen Lúcia, determinou a criação do Cadastro Nacional de Presas Grávidas e
Lactantes e a elaboração de um protocolo de recomendações ao sistema prisional
para cuidados padronizados à saúde das detentas gestantes, das lactantes e de
seus recém-nascidos nas prisões.
Até
o encerramento das visitas, no fim de abril, os estabelecimentos penais
femininos tinham, segundo os números apurados, 212 mulheres grávidas e 179
lactantes. O Cadastro Nacional das Presas Grávidas e Lactantes, cujos dados vêm
sendo divulgados no portal do CNJ desde janeiro deste ano, reflete o interesse
da sociedade em ter informações sobre o tratamento que o Estado dispensa a
essas mulheres e a seus bebês mantidos nos cárceres. Veja AQUI o quadro em constante atualização.
O
trabalho foi realizado pela juíza auxiliar da Presidência do CNJ Andremara dos
Santos e pela assessora especial Luísa Cruz, responsáveis pela coleta de dados
e análise das condições físicas das unidades prisionais, bem como pela
verificação dos serviços de saúde destinado a essas mulheres.
Ao
falar sobre as visitas que fez aos presídios, a juíza auxiliar salienta a
perspectiva do gênero e a importância de se ter um olhar aguçado em relação aos
diversos tipos de violência contra a mulher. “É preciso destacar a
característica mais relevante da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento
da Violência Contra a Mulher, e como é essa política, que imprime a perspectiva
de gênero na atuação institucional do Judiciário dentro de suas atribuições”,
diz.
Em
cada uma das visitas aos estabelecimentos penais, a magistrada utilizou um
formulário com 30 perguntas. Entre elas, foram feitas indagações aos
administradores dos estabelecimentos penais sobre a existência de
acompanhamento médico às grávidas, realização de pré-natal, cuidados pós-parto
e local de realização dos partos.
Em
termos de abrangência, o CNJ esteve em presídios femininos de 26 unidades da
Federação. Ficou de fora apenas o Amapá pelo fato de não ter sido constatado no
Estado a existência de detentas gestantes ou que estivessem amamentando.
Contrastes
A
realidade contrastante vista nas celas reforçou a necessidade de o CNJ propor
uma padronização dos cuidados médicos às mulheres custodiadas pelo Estado,
colocando algumas obrigatoriedades entre as quais a de realização de pré-natal
para as grávidas. As sugestões para uniformizar o tratamento a essas mulheres
estão sendo formuladas e deverão ser concluídas até agosto.
Em
uma das situações verificadas, em São Paulo a equipe do CNJ encontrou
estabelecimentos penais com boa estrutura física e bem equipados, que possuem
brinquedoteca e carrinhos de nenê, mas nos quais cresciam 14 bebês sem registro
de nascimento.
Em
outro caso, no Centro de Reeducação Feminino de Ananindeua, no Pará, apesar da
estrutura física antiga e de haver cinco bebês sem registro, a unidade
prisional possuía ambulância à disposição em tempo integral para as grávidas e
lactantes e instalações separadas para as gestantes e mulheres que estão
amamentando.
No
Distrito Federal, a Penitenciária Feminina possuía quatro bebês nascidos de
presas grávidas que não estavam devidamente vacinados (sem BCG) após o parto.
Em termos de cuidados, as grávidas e lactantes eram alimentadas com a mesma
comida destinada às presas doentes.
“Hoje,
a situação das grávidas, lactantes e de seus filhos está ao sabor do perfil do
gestor”, afirma a juíza auxiliar do CNJ, uma situação que expõe a necessidade
de uniformização dos procedimentos.
Equipe do CNJ entrevistando
detentas grávidas e lactantes de presídios do Paraná (PR). FOTO:
Gláucio Dettmar/Agência CNJ
Bebês no cárcere
O
levantamento feito pelo CNJ nos estabelecimentos penais visitados
mostrou, no fim abril, que havia nos cárceres brasileiros 184 bebês com
idade entre seis meses e um ano. O tratamento distinto nas prisões a que
esses ‘brasileirinhos’, na expressão usada pela ministra Cármen Lúcia, é um dado
a mais que reforça a importância de um procedimento padrão no sistema prisional
em relação aos cuidados à saúde das mulheres em geral, das grávidas, das
lactantes e de seus filhos.
Ao
constatar a existência de recém-nascidos sem certidão de nascimento e sem a
devida imunização nas prisões, a presidente do CNJ determinou a imediata
regularização dos documentos dos bebês e das vacinas necessárias. Em algumas
prisões, a equipe do CNJ constatou que os bebês permanecem com as mães e
crescem em ambientes separados das demais detentas.
Em
outras unidades prisionais, esses recém-nascidos passam o dia em berçários aos
cuidados de terceiros e são levados para as mães à noite para dormir em
celas. Em outro exemplo, o CNJ encontrou no Centro de Ressocialização
Suely Maria Mendonça, em Rondônia, um espaço recém-inaugurado reservado aos
berçários.
Só
que na época não havia bebês no estabelecimento. O berçário, no entanto, possui
as portas de ferro das celas originais para abrigar bebês, que evidentemente
não possuem relação com crimes e contravenções.
“Vamos
elaborar diretrizes para assegurar um fluxo padronizado para o atendimento das
grávidas, lactantes e seus filhos”, disse Andremara dos Santos ao frisar a
importância de um tratamento uniforme também para os bebês, a começar pela
obrigatoriedade do registro de nascimento e cuidados básicos de saúde.
A
magistrada chama a atenção também para a necessidade da presença de um juiz da
Vara da Infância e Juventude nos estabelecimentos penais em que houver filhos
de presas. Isso porque, lembra Andremara dos Santos, os bebês ou crianças
não têm qualquer relação com crimes e não devem, por isso, estar sob a
responsabilidade das varas de execução penal.
Recomendações
As
informações coletadas nos 33 estabelecimentos penais de 26 unidades da
Federação permitirão ao CNJ elaborar um protocolo de recomendações a ser
adotado pelos estabelecimentos penais em relação aos serviços de saúde e
cuidados específicos às presas grávidas e lactantes.
A
finalidade é padronizar as instruções de forma que as prisões tenham uma
atuação uniforme em relação a essas mulheres. A uniformização abrangerá,
também, cuidados com os filhos das presas.
Entre
as recomendações a serem feitas constam a realização de pré-natal,
infraestrutura mínima para a saúde da mulher, cuidados com a saúde dos bebês de
presas nos cárceres, obrigatoriedade do registro dos filhos de grávidas em
estabelecimentos penais e a exigência da presença de um juiz da Vara da
Infância e da Juventude nas unidades prisionais que estiverem abrigando bebês
de detentas.
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