Ouvimos com frequência que inovações tecnológicas de todos os tipos permitirão
aos humanos viverem quase eternamente sem sofrimento: sementes mágicas como os
grãos de feijão da história infantil, que vivem sem água e são terapêuticos;
comprimidos coloridos que prolongam a vida além dos 200 anos; terapias
genéticas que combatem o câncer; implantes cerebrais que nos permitem
transcender por milhares de anos, impedem nossa morte e transferem nossa
consciência para uma nuvem em servidores virtualizados. Esperamos viver em uma
espécie de capítulo da série Black Mirror, mas como se fosse produzida pela
Disney e tivesse como protagonistas o Mickey Mouse e talvez o Professor Pardal,
inventor da família Patinhas, muito bondoso e doce.
No
entanto, de vez em quando, esse capítulo nos mostra sua face menos amigável.
Por exemplo, podemos citar o sonho de uma empreendedora de São Francisco de
realizar exames de saúde com uma picada no dedo e que se revelou um golpe (caso de Theranos). Ele nos mostra que o ditado
do Vale do Silício "Mostre-se confiante até que você esteja, de fato,
confiante" não pode e não deve ser usado em questões de saúde. Os
regulamentos são severos, e não se pode construir uma empresa de biotecnologia
sem especialistas, ainda que a pessoa seja egressa da Universidade de Stanford
ou do MIT.
Outra
notícia menos divulgada foi a quebra da associação entre o MIT e a Nectome,
empresa que afirmou que poderia transferir o conteúdo da mente de doentes
terminais para um computador. O principal problema desse caso foi a mensagem
exagerada de esperança que a empresa anunciou, dizendo que teria a capacidade
de manter a consciência de indivíduos. Mais uma vez, o excesso de expectativas
em torno de um projeto envolvendo algo tão delicado como a vida de uma pessoa e
seus entes queridos colocou acadêmicos em alerta.
Apesar
dessas incursões no universo obscuro da série Black Mirror, todos nós queremos
que a tecnologia nos permita fazer mais e melhor com menos recursos,
especialmente em termos de questões relacionadas à saúde. Muitos dos desafios
da OMS (Organização Mundial de Saúde) têm a tecnologia como única esperança de
melhora universal no curto prazo.
A
saúde pública universal precisa de recursos que apenas a tecnologia pode
oferecer. Medidas como triagem virtual usando inteligência artificial,
realizada a partir da casa dos pacientes tornariam mais eficientes o
direcionamento das pessoas até os recursos de saúde existentes. Poderiam ser
realizadas consultas online de forma ordenada, sem períodos de espera
infindáveis.
O
Nacional Health Service (NHS) do Reino Unido está dando seus primeiros passos
com o aplicativo Babylon Health que promove um seguro e efetivo atendimento no
cuidado com os pacientes. Em questões de prevenção e acompanhamento de
pacientes crônicos (incluindo saúde mental), o atendimento remoto tem muito a
oferecer. Populações com idades mais avançadas certamente precisarão de
assistentes e cuidadores digitais incansáveis e empáticos, no mais puro estilo
Big Hero 6, da Disney.
Muitas
vezes, os exemplos do Black Mirror são mencionados para desencorajar a inovação
no campo da saúde. Fala-se de sabotagem cibernética, quando se trata de falta
de manutenção de versões do software por redução de custos ou ineficiência.
Fala-se também de problemas de proteção de dados, quando na realidade cabe a
nós, como cidadãos, assumir o controle sobre nossas informações e, portanto,
decidir se queremos participar de estudos clínicos e testar novas terapias.
Fala-se também da falta de evidências em relação à validade clínica do eHealth,
impondo obstáculos à saúde digital em larga escala, em vez de começar a
trabalhar para testá-lo.
É
fácil e barato apontar desculpas para que tudo fique como está. No fundo, todos
dizem que mudanças são necessárias, mas ninguém quer mudar. No entanto, todos
sabemos que essas tão esperadas mudanças virão. Afinal, as histórias da Disney
sempre têm um final feliz.
Dr. Frederic Llordachs Marqués - cofundador e sócio
da Doctoralia, plataforma líder mundial que conecta pacientes e profissionais
de saúde
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Facebook: @doctoralia.br
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