A observação pode parecer exagerada, mas pesquisas
feitas logo após a vitória de Donald Trump atestam: o mega-empresário de topete
agressivo e peito empinado ganhou o pleito por causa do muro. Sim, o gigantesco
muro que ele prometeu construir separando o México dos Estados Unidos, tendo
como objetivo fechar fronteiras escancaradas que mexicanos e outros grupos
latinos ainda usam para tentar a vida sob a bandeira norte-americana. Pesquisas
apontavam a questão migratória como a mais sensível para o eleitorado
conservador republicano, forte o suficiente para garantir vitória ao seu
candidato.
Trump sabia que o muro abriria polêmica, seria
considerado ideia extravagante e dispendiosa, e que, a depender da reação
interna, poderia, até, deixá-lo em banho-maria. Exatamente como parece
acontecer hoje, o muro está encostado nas laterais do debate. Sabia também ele
que a promessa de construção do muro seria suficiente para animar a corrente
nacionalista, que brandia o refrão: “a América para os americanos em primeiro
lugar”.
Pois bem, a estratégia deu certo. O chamado
Cinturão da Ferrugem- compreendendo partes de Michigan, Pensilvânia, Ohio e
Virgínia Ocidental, regiões que concentravam usinas siderúrgicas e outros
setores até a década de 80 – voltou a se animar. O muro trouxe esperança para
áreas que haviam perdido empregos com a globalização. A esperança disparou a
autoestima. Trump fechou compromisso e, pimba, levou a melhor.
Comparemos a situação com nossas plagas e
circunstâncias. Que discurso os nossos presidenciáveis têm recitado para
envolvimento do eleitor? O discurso mais onipresente parece ser o de “pôr ordem
na bagunça”. Mesmo assim, trata-se de um conjunto de referências mosaicadas,
uma aqui, outra acolá. O eleitor, saturado de mesmice, tem a atenção focada no
perfil que denota defesa da ordem, combate à bandidagem e até mesmo restrição
ao próprio corpo parlamentar que integra: o capitão Jair Bolsonaro. Ele
capitaliza as atenções não por seus méritos, mas por defeitos de seus
adversários.
Sua expressão de cunho militar-repressiva é avocada
como bitola para regular as engrenagens da política e da administração. Sua
visão de militar abriga o acervo das empresas públicas sob o império do Estado,
não devendo, portanto, ser privatizadas, e esse discurso, também do gosto das
esquerdas, baixa na cuca das massas como defesa das riquezas nacionais,
preservação dos bens públicos. As massas entendem privatização como retirada do
patrimônio do Estado para entregar aos “larápios dos negócios privados”. Tentar
esclarecer sobre a viabilidade de um Estado eficiente, não paquidérmico, é
chover no molhado. Não entra como coisa positiva no sistema cognitivo do povo.
Outra falha gritante na expressão dos atores
políticos é a ausência de um “Projeto para o Brasil”, uma peça estruturada, com
começo, meio e fim, contemplando todas as áreas e setores, da infraestrutura
técnica ao território social e ao panorama tributário. Não se ouviu, até o
momento, algo que contenha uma abordagem completa envolvendo as temáticas
nacionais. Eventuais respostas de pré-candidatos se limitam aos assuntos de
momento, circunscritos ao tema levantado, geralmente segurança pública,
educação ou saúde.
E nenhum protagonista, até esse instante, chegou a esboçar um desenho de
seu muro, o vértice, a coluna vertebral de sua identidade. As tentativas são
tímidas, genéricas, algumas parecendo platitudes. Perdem-se no oceano de
mesmices. Ou no oásis de repetições.
Gaudêncio Torquato - jornalista, é professor titular da USP, consultor
político e de comunicação Twitter@gaudtorquato
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