Um povo descrente é como um rio seco. Um povo sem
esperança é como uma árvore desfolhada, sem viço e com a cor das coisas mortas.
O povo brasileiro pena suas amarguras no deserto frio das desesperanças.
Pesquisas recentes mostram um retrato de apatia geral. As eleições ocorrerão
dia 7 de outubro. E pelo que se vê, o povo não está se tocando para o maior
evento cívico do ano. Vive avançado grau de desânimo e parece definhar um pouco
todos os dias ao sabor da febre de sonhos desfeitos. Um povo sem sonhos é uma
entidade sem espírito e sem direção.
Cassam sua vontade, a admiração que tem pelos ritos
da Pátria e o respeito às instituições. O clima de terra devastada em que se
transformou o País, as acusações que pululam de todos os cantos, os interesses
em choque e as disputas entre grupos políticos afastam a população do sistema
político, abrindo imensos vazios entre os poderes decisórios e a sociedade.
Na verdade, vivemos em dois Brasis. No primeiro,
gigantesco e periférico, habitam estômagos famintos e bocas sedentas; no
segundo, pequeno e central, uma disputa ocorre entre bolsos gananciosos e
mentes matreiras. O primeiro é o mundo dos desvalidos, das massas amorfas, do
povo que prova o gosto do suor e amarga o cansaço das filas. O segundo gira em
torno de núcleos nas médias e grandes cidades. Nele, gravitam contingentes de
profissionais liberais – esses, sim, trabalhadores de garra -, mas também donos
de capitanias hereditárias, comerciantes de favores, sultões e mandarins de mil
e uma noites. E, há, ainda, um grupo que se encastela na Ilha da Fantasia, mais
conhecida por Brasília.
O Brasil do centro conta com instrumentos
poderosos. Seu pensamento penetra em vasos capilares e corre até o último dos
habitantes das margens. Sua voz é forte. Por isso, é de se esperar que suas
vozes ecoem longe. Já o Brasil distante fala por meio de onomatopéias. As
massas mais ouvem que dizem. Até chegarem a um limite de saturação. (Será que
não já se chegou a esse estágio?)
Na Ilha da Fantasia, desfiles de siglas e
representantes do povo se sucedem, juntando gladiadores, filhotes de Maquiavel,
crentes de prontidão, dispostos a jogar a alma ao serviço da Pátria e
comerciantes de plantão fazendo trocas de ocasião.Ali estão os esgrimistas da
política.
A festa da política, em ano eleitoral, apenas está
se iniciando e, desta feita, não gera entusiasmo ou engajamento. Está cedo,
dizem. Mas em final de maio, o Brasil do centro já deveria estar se aproximando
do Brasil das margens. Que há algo estranho no ar, sem dúvida.
O Brasil real, das pontas, está distante do Brasil
artificial, dos discursos e das promessas. A crise que corrói as populações
pobres parece não acabar. Mas nunca se ouvirá tanto a palavra POVO como nos
próximos tempos. Claro, o povo é sempre lembrado quando querem tirar algo dele.
Vão tentar se aproximar, afagar, prometer mil coisas. Porém, urge atentar para
um detalhe: pelo que se vê, se ouve e se sente, o povo não vai deixar que
arrombem sua cabeça ou seu coração para roubarem dele a única arma que dispõe
para garantir o futuro: o voto. Essa arma, o povo saberá usar com maestria. É o
que a Pátria espera.
Gaudêncio
Torquato - jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de
comunicação Twitter@gaudtorquato
Nenhum comentário:
Postar um comentário