Os pensamentos materializados, antes restritos ao estreito
círculo social da maioria das pessoas do mundo (núcleo familiar, núcleo de
trabalho, clube, escolas/universidades e amigos), agora passa a ser acompanhado
por mais de 4 bilhões de pessoas espalhadas em todo o globo terrestre. Se antes
ninguém se insurgia em razão dos nossos pensamentos mais irascíveis, agora
vivemos no parapeito entre a liberdade de expressão (que muitos ainda acreditam
ser absoluta, em virtude de historicamente o homem comum nunca ter precisado se
preocupar com suas opiniões pessoais, com exceção à imprensa) e a violação de
direitos de terceiros.
Aliado a esta questão dos limites à liberdade de expressão, a
Internet propiciou a alavancagem da antiga – e ainda bastante eficaz – tática
de influenciar a coletividade se utilizando de notícias que visam obter o
resultado de “comportamento de manada”, consistente no fato de que quanto mais
pessoas compartilharem um mesmo conteúdo, mais e mais se acreditará que ele é
verdadeiro, principalmente se uma das vozes que compartilha seja de pessoa com
grande repercussão e influência midiática.
Esta oportunidade de manipulação foi rapidamente compreendida, a
ponto de, hoje, ser comum sua utilização através da propagação de notícias
falsas (“fake news”). Dentre as diferentes finalidades visadas para a
manipulação, talvez nenhuma delas seja mais problemática do que àquelas que
visam afetar o processo eleitoral. Identificadas no Brasil pela primeira vez
nas eleições presidenciais de 2014, elas não poderiam ter ficado de fora das
eleições americanas de 2016 (Trump) e das eleições francesas de 2017 (Macron).
Agora, chegam com tudo ao Brasil (2018) e em outros países do mundo, ameaçando
todo o sistema democrático construído ao longo de séculos de muitas batalhas,
suor e, literalmente, sangue.
Pior do que a existência delas, é a constatação dos interesses
que as impulsionam. Nações manipulam as eleições em outras nações, tal qual
restou comprovado ter feito a Rússia, nas eleições presidenciais dos EUA em
2016, com ataques à campanha da candidata Hillary Clinton. Já existem, hoje,
pessoas e empresas especializadas neste tipo de “atividade”, que se utilizam de
robôs (“boots”) travestidos de perfis virtuais falsos para criar e compartilhar
estas notícias falsas.
O problema ganhou o mundo – e a atenção especial dos provedores
de mídias sociais, como o Facebook -, e a tentativa de frear este tipo de
divulgação se tornou uma das principais pautas globais deste primeiro trimestre
de 2018. Enquanto o Facebook passou a admitir a possibilidade de os usuários
denunciarem as notícias identificadas como falsas (com posterior exclusão do
autor da postagem e até mesmo de quem compartilha), Brasil (Tribunal Superior
Eleitoral) e União Europeia criaram comitês para deliberarem sobre o tema.
Paralelamente, começam a aparecer projetos de lei que visam
regulamentar a divulgação e o compartilhamento das notícias falsas (inexiste no
Brasil regra jurídica que tutele a criação e divulgação das notícias falsas por
si só; tutela-se apenas o ressarcimento e a punição decorrentes dos danos que
elas causarem). Entretanto, alguns cuidados precisam ser observados em relação
à tentativa de tutela jurídica.
A principal questão a ser observada é a existência de um liame
muito estreito entre o controle prévio do conteúdo e a censura. A atual
responsabilidade civil/penal dos provedores de Internet decorrente de conteúdo
gerado por terceiros (hipótese clássica das mídias sociais) não impõe a eles o
dever de controle prévio de eventual conteúdo ofensivo, de sorte que eles não
podem ser responsabilizados, ab initio, de qualquer dado causado por um
usuário; a responsabilidade apenas surge em duas hipóteses: (i) se eles
não forem capazes de identificar o autor do conteúdo ofensivo e (ii) se
eles não removerem o conteúdo após notificação judicial (ou extrajudicial, em
hipóteses bastante restritas). Essa ausência de responsabilização decorre
exatamente do fato de que exigir o controle prévio, além de ser praticamente
impossível em razão do volume de informações postados por minuto, acarretaria
no risco da censura de conteúdos que não fossem verdadeiramente ofensivos
(diante do risco, é natural que o filtro seja conservador na análise).
Existem, atualmente, Projetos de Lei no Congresso brasileiro que
visam tutelar a questão. O PLC 6812/2017, de autoria do deputado Luiz Carlos
Hauly (PSDB-PR), propõem a criminalização da divulgação e do compartilhamento
de informações falsas ou prejudicialmente incompletas (cuja pena seria a
detenção de 2 a 8 meses e multa). Apensado a este projeto de lei, existem
outros 7 (sete), seis deles já de 2018, cujas propostas não são tão diferentes
daquela enunciada acima, alguns deles (PLC 9467/2018 e PLC 9761/2018) imputando
a responsabilidade aos provedores de aplicações de internet (o que, atualmente,
é o posicionamento contrário adotado pelo Marco Civil da Internet).
A criminalização da conduta de “divulgar” e “compartilhar”
notícias com conteúdo falso é problemática, na medida em que muitas vezes é
complexo auferir se a notícia é realmente falsa (a menos que a falsidade
decorra de algum fato absurdo e facilmente constatável). Um paralelo com as
notícias falsas são os boatos, que marcam a história humana de forma constante.
Anteriormente, entretanto, os boatos eram compartilhados às escuras, enquanto
agora estes mesmos boatos recebem a alcunha de “fake news". A punição
precisa recair ao autor da notícia falsa, e não a quem compartilha (sob pena de
se ferir direitos fundamentais da C.F.), e, tampouco, os provedores de
aplicações de internet (risco claro de censura e de violação da liberdade de
expressão).
Marcelo Chiavassa
de Mello Paula Lima - Professor de Direito
Civil, Direito Digital e Direito da Inovação da Universidade Presbiteriana
Mackenzie (CCT). Doutorando em Direito Civil pela USP. Mestre e Especialista em
Direito Civil pela PUCSP. Especialista em Direito Civil Italiano e Europeu pela
Universidade de Camerino.
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