terça-feira, 24 de abril de 2018

Tornamo-nos uma "república togada"?


Os troianos receberam de Júpiter a missão de edificar uma grande república "togada" no Lácio. Fizeram-nos, depois das largas vicissitudes, fados favoráveis e contrários, tão magistralmente relados por Virgílio em a Eneida.

Efetivamente, Roma foi uma república (e um império), "togada". O significado disso está em que, mais importante que as muralhas e fortificações, tudo deveria acontecer naquele império, que  dominou o mundo, segundo as regras jurídicas; construíram-nas de maneira tão perfeita e complexa que até este momento histórico o direito romano é importante, não só nos meios acadêmicos, quanto na atividade dos Tribunais encarregados de ditar a jurisprudência.

Em resumo, ninguém era livre ilimitadamente. O direito configurava o plano do exercício das liberdades; tudo era possível aos nobres, aos metecos, aos plebeus, aos estrangeiros, e até mesmo aos escravos, nos limites, mais ou menos extensos, que as regras de direito conferiam aos membros da sociedade romana e aos sítios de sua expansão. Para exemplificar, Pôncio Piltados foi sempre caracterizado como o governador provincial que lavou as mãos, mas, em verdade, cumpriu uma regra de direito: o governador não podia ditar a pena de morte. Esta era da competência do povo, em assembleia, tal como ocorre com nossos Tribunais Populares ou do Júri. Ao declinar de sua competência em favor de outro órgão, "lavou as mãos", como poderíamos dizer de todos nossos magistrados que se dizem incompetentes, por razões da lei, e dela declinam em favor de outro órgão judiciário,  pessoal ou colegiado.

Posto isto, creio ser possível informar que ingressamos num período, depois dos desmandos do Executivo, de república e democracia togadas. Nossas decisões judiciais é que tem traçado os caminhos da política. Nossas notícias cotidianas da grande mídia vem dos Tribunais e não dos meios políticos. Embora muitos conceitos romanos tenham recebido nova conotação contemporânea, a exemplo do "fiat justitia pereat mundus" - "faça-se justiça, ainda que o mundo pereça" - óbvia inconveniência em nossos tempos, o mundo travado por âncora pesada de grampos curvos nem sempre é desejável.

Isso porque as magistraturas também tendem ao excesso e, por consequência, a degenerar-se. Não estão isentas de pungentes lutas intestinas. O resultado são decisões não raro conflitantes, que levam aos cidadãos de um país, e aos estrangeiros que nele querem investir, o péssimo sentimento da insegurança jurídica, fenômeno que enseja o acanhamento de realizações no sentido do desenvolvimento e do bem estar coletivo. E, sendo escravos da lei, os magistrados estão vaticinados a cumpri-las, justas ou injustas, mudadas ou não as circunstâncias sociais que a justificaram, em que pesem, vez ou outra, rara, nos darem o presente forjado aos solavancos na "mutação jurisprudencial". Tratando-se, o Judiciário, de um poder que somente vê os fatos passados, é "reacionário", na medida em que simplesmente reage e, quando se torna prospectivo, é justamente acusado de invadir a seara de outros poderes. "Razões humanitárias" são raramente bem vistas pelos agentes do símbolo de olhos vendados. Essa posição estacionária, transposta pela vida fogosa e cambiante, levou os países de outro sistema jurídico, do "common law", fundado nos costumes dos Tribunais, a criar os "Tribunais de Equidade", para não verem cada vez mais turvado o ideal de justiça.

A Ministra Cármem Lúcia disse prever o século XXI como século do Judiciário. Previsão de trevas medievais, com a qual, por certo, não concordamos. O avanço político democrático deve ser determinado pelo povo; por meio de seus representantes eleitos, não de uma casta concursada ou nomeada e vitalícia, em que o ser humano, que não está na capa, mas no âmago de um processo de gelo, é mais objeto que homem.  E vistos os fatos pelo retrovisor.  Aqueles representantes, políticos, em benefício próprio, criaram a "classe política" e também se tornaram vitalícios. Esse é outro tema, a ser devidamente observado no contexto da indispensável e autêntica reforma política que nosso País reclama.

De todo modo, o povo já começou a perceber que nosso futuro não pode depender das magistraturas judiciárias.






                                                           
Amadeu Garrido de Paula - Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.

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