quarta-feira, 25 de abril de 2018

Médicos e sociedade civil rejeitam planos de saúde que cobrarão por fora do paciente, além da mensalidade


Em coletiva à imprensa na sede da Associação Paulista de Medicina, entidades se posicionam contrárias às medidas que a ANS pretende colocar em prática


Nesta quarta-feira, 25 de abril, a imprensa foi convidada à Associação Paulista de Medicina para uma entrevista coletiva na qual médicos, entidades de defesa do consumidor e representantes de outros setores da sociedade civil refutaram a possibilidade de que sejam autorizados planos de saúde que cobrem, do paciente, coparticipação ou franquias, além da mensalidade.

“Estamos muito preocupados com essa caixa-preta que envolve essas modalidades e os planos ‘populares’. Essa é uma questão que merece debate nacional e fazemos questão de levar esse assunto para todos os brasileiros. Caso contrário, teremos um imbróglio que resultará em problemas seríssimos para a população”, abriu Marun David Cury, diretor de Defesa Profissional da APM.

Conforme disse, na sequência, Florisval Meinão, ex-presidente e atual diretor Administrativo da Associação, essa é uma discussão que tem sido pautada pelas supostas vantagens financeiras da introdução destes mecanismos. “Isso vem sendo liderado pelas operadoras, que têm grande interesse nesses novos elementos dentro do mercado da saúde suplementar. O debate sobre as consequências que trarão para a população não tem sido amplamente realizado e posto com clareza.”

Meinão diz ainda que os grandes prejudicados pelas novidades serão os pacientes portadores de doenças crônicas, por utilizar o sistema com certa frequência. As propostas colocadas poderão até dobrar o custo anual do plano de saúde para esse cidadão, que muito provavelmente não está preparado para tal cenário. A consequência mais lógica disso é que as pessoas deixarão de utilizar o sistema, colocando de lado o acompanhamento preventivo.

Ele lista exemplos de pacientes que poderão ser bastante prejudicados: “Os idosos, que pagaram a vida toda por seu plano sem muita utilização, e agora, com restrições financeiras, aposentados, terão de pagar ainda mais. Temos a situação de um recém-nascido, que precisa de, no mínimo, uma consulta por mês para acompanhamento. Aquelas pessoas que têm, em sua avaliação clínica, risco de doença cardiovascular e precisam ser submetidas a uma série de exames e avaliações para prevenção. E isso não está, absolutamente, contemplado. Há também o câncer de próstata, que tem mudado de panorama com os diagnósticos precoces. Além dos pacientes com risco de contraírem doenças sexualmente transmissíveis, que teriam direito a apenas um exame por ano, absolutamente insuficiente para o acompanhamento. São apenas alguns exemplos, pois a lista seria enorme.”

“Discordamos completamente da postura da ANS. A Medicina se preocupa cada vez mais com a prevenção de doenças. Buscamos encontrar instrumentos para realizar diagnósticos precoces. E o que teremos é o contrário. As pessoas pagarão um plano de saúde que não lhes concederá essas ferramentas. Além disso, o Sistema Único de Saúde (SUS) voltará a ser sobrecarregado, com pacientes que deixarão os planos de saúde por não poderem arcar com um aumento nos custos”, avaliou o ex-presidente.



Alterações

 
Maria Inês Dolci, vice-presidente do conselho diretor da Proteste e membro da Comissão de Planos de Saúde da OAB/SP, explicou como este cenário está sendo desenhado. A novidade é a forma de regulamentação pelo poder público. Atualmente, por exemplo, os planos possuem ofertas distintas de percentuais a serem pagos pelos consumidores na coparticipação. A ideia da Agência Nacional de Saúde Suplementar é estabelecer o teto do valor em até 40%.

“Se uma conta médica, por exemplo, fica em R$ 1000, o consumidor pagaria, no máximo, R$ 400. Isso para os procedimentos. A outra questão que estão trazendo é a de franquia, proposta pela Agência como algo parecido com o seguro de automóveis. Mas temos que lembrar que a Saúde não pode jamais ser comparada ao seguro automotivo”, detalhou.

Neste segundo caso, está sendo sugerido uma franquia de 12 vezes o valor da mensalidade – o que ainda não está claro. Assim sendo, se o consumidor paga R$ 500 ao mês em seu plano, teria um teto de R$ 6000 de franquia. O que passasse disso, seria arcado pelo paciente, seja contratando serviços extras ou simplesmente pagando o excedente. “Quem é da área médica sabe que este valor pode ser atingido em questão de horas, dependendo do caso”, completou.

À Proteste, a ANS defendeu que ambos os modelos são amplamente difundidos no mercado de saúde suplementar. A advogada, no entanto, reiterou que a Agência tomou como base o mercado internacional. “O Brasil não tem a realidade dos países mais adiantados. Estamos falando, então, da regulamentação de dois mecanismos que irão trazer impactos aos consumidores e não temos informações precisas de condições, critérios e limites de aplicações.”

A grande preocupação de Karla de França, assessora executiva da Fundação Procon-SP, é estabelecer quais são as consequências que a população enfrentará. Ela enxerga um grande potencial de endividamento: “Ao contrário do conserto de um carro, por exemplo, a pessoa não pode esperar para realizar o seu tratamento e terá que pagar. Isso pode resultar no super endividamento. Quem tem um familiar doente não irá pensar nos custos, mas na vida”.

Também representando a Fundação Procon-SP, a supervisora Maria Feitosa definiu como perversa a transposição de um modelo de seguro automotivo ao setor da Saúde. Além disso, sobre a coparticipação, disse: “Como o paciente irá contribuir se ele não tem acesso aos valores dos procedimentos? Ninguém sabe quanto custa a tomografia em um hospital do centro ou em um na periferia. Por isso, falamos na criação de uma tabela referencial. Sem isso, o consumidor pagará, por vezes, o custo integral do procedimento, sem saber. A ANS tem que exigir das operadoras que haja transparência neste sentido”.

“Não é totalmente verdade que esses dois mecanismos são definidos genericamente, como discursa a ANS. A Resolução do Conselho de Saúde Suplementar (Consu) nº 8 traz alguns limites que não estão sendo colocados na tratativa atual, como a impossibilidade de o consumidor pagar integralmente algum procedimento. E também que não se pode caracterizar redução severa do uso do consumidor”, analisou Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Clóvis Francisco Constantino, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e diretor de Previdência e Mutualismo da APM, entrou em uma questão prática de sua especialidade. “Com a evolução científica, podemos fazer com que um recém-nascido prematuro sobreviva sem sequelas. Devo dizer que em nosso País nascem 40 prematuros por hora, 900 por dia. Consideremos que um leito de UTI neonatal custa entre R$ 6000 e R$ 9000 ao dia. Imagine que um pai, que quer ver seu filho evoluindo e sendo tratado, não o possa fazer, por não ter condições de arcar com esse valor. Se tivermos a disponibilidade de insumos, exames, leitos de UTI, temos condições de tratar todos esses bebês. Mas para isso, não podemos ver a população ainda mais onerada.”



Expectativas

 
O objetivo desta iniciativa, segundo Florisval Meinão, foi trazer a discussão à tona, exibindo a outra face do problema, que tem sido mantida oculta. “Tomaremos medidas do ponto de vista jurídico e político para reverter esse cenário. A nossa expectativa, no entanto, é que a ANS retroceda espontaneamente ao ver que expressivos setores da sociedade se colocam contra as mudanças, com argumentos tão contundentes.”

Marun Cury também adiantou um contato com a Procuradoria do Estado, que está avaliando esses impactos no ponto de vista da saúde e da cidadania. “Nesse sentido, fomos convidados para completarmos um grupo de discussão. A avaliação dos procuradores é de que haverá judicialização em massa, além de um sério endividamento da população. Estaremos juntos em breve. A ideia é, se possível, dar um basta na evolução das conversas.”

Também estiveram presentes na coletiva o vereador e médico Gilberto Natalini; o presidente da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas e representante do CROSP, Wilson Chediek; o diretor de Tecnologia da Informação da APM, Antonio Carlos Endrigo; o superintendente do Hospital do Servidor Público Municipal, Antonio Moreno; a 1ª secretária do Coren-SP, Eduarda Ribeiro dos Santos; a representante do Conselho Regional de Nutricionistas da 3ª Região (SP/MS), Viviani Fontana; Luiz Sorrenti, da Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão; Arary da Cruz Tiriba, professor aposentado da Escola Paulista de Medicina/Unifesp; o padre João Inácio Mildner, da arquidiocese de São Paulo; Eni Maria da Silva, presidente da Associação Brasileira Superando o Lúpus; Antônio Vitor Ramos Cardoso e João Francisco Clouzet, da UBS Cambuci; e Vitor Martos Suarez, da Sociedade Médica Paulista de Administração em Saúde (Sompas).


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