domingo, 25 de março de 2018

Ciência da Felicidade: estudiosos garantem que é possível ser mais feliz e "desenvolver felicidade"


A felicidade passa a ser objeto da ciência e índice para análise de desenvolvimento político, econômico e social de nações em todo o mundo. Após décadas de estudos, pesquisadores mapeiam as principais condições que geram a felicidade e revelam como é possível desenvolver áreas que levam ao tão desejado sentimento



 Nomeada embaixadora da felicidade no Brasil, Flora Victoria esteve no H20, fórum do World Happiness Summit, evento mundial que acontece em março nos EUA e debate os principais desafios do aumento da felicidade cívica. Foto: divulgação


Felicidade é daqueles desejos unânimes, capazes de unir pessoas de classes sociais, países e culturas diferentes. Tomando como um simples exemplo a música, temos um funk famoso da década de 1990 que diz, "O que eu quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci". Aí em outro 'mundo', diretamente dos EUA e seu bilionário mercado fonográfico do pop, surge um hit que arrebatou o planeta recentemente: Happy, de Pharrell Williams. Então, pessoas da Ásia, da Europa, da América do Sul, passavam a dançar e bater palmas ao som da canção, que em um dos trechos diz: "Bata palmas, se sente que a felicidade é a verdade/ Bata palmas, se sabe o que a felicidade é para você/ Bata palmas, se sente que é isso que você quer fazer".

É aí que entra a ciência e aqueles 99% de transpiração citados por Einstein. Durante décadas, mais precisamente desde a década de 1960, estudiosos de diversas universidades, com destaque para as universidades da Pensilvânia e de Harvard, se debruçaram em estudos sobre a felicidade. Neste período, Martin Seligman* e outros pesquisadores fundaram a psicologia positiva e o conceito do florescimento humano, contribuindo de forma essencial para as descobertas aceitas atualmente.

Com a psicologia positiva, condições que envolvem relações interpessoais, propósito, satisfação, e motivação deixaram de ser abstratas e passaram a ser analisadas de forma sistemática e científica. "Até então, não se considerava que estes aspectos poderiam ter um certo padrão, que revelassem um tipo de sistema de condições que geram a felicidade, assim como os padrões dos conceitos analisados pela neurociência", explica Flora Victoria, mestre em Psicologia Positiva Aplicada pela Universidade da Pensilvânia e presidente da SBCoaching. Este ano, a especialista foi nomeada oficialmente Embaixadora da Felicidade no Brasil, pelo evento mundial World Hapiness Summitt, que reúne líderes governamentais, acadêmicos e pesquisadores nos EUA para discutirem a felicidade e o bem-estar em toda sua complexidade científica, política, social e econômica.

As descobertas da neurociência se referem às estruturas e regiões do cérebro que atuam no processamento de emoções e razão, que consequentemente são identificadas como felicidade ou infelicidade. São elas:
  • Hipotálamo – responsável pelo sistema de recompensa instantânea; é movido pelo neurotransmissor dopamina.
  • Hipocampo – é uma parte do cérebro que guarda a memória de sons, imagens e cheiros de experiências já vividas.
  • Lobo Frontal Esquerdo – é a parte que distingue a recompensa imediata da "alegria" mais duradoura; é movido pelo neurotransmissor serotonina.
  • Amígdala – glândula que "traduz" as memórias do hipocampo em emoções e gera o bem-estar no presente.
"Uma pessoa com disfunção na amígdala ou baixos níveis de dopamina ou serotonina terá menos predisposição biológica para a felicidade, por exemplo. Isso, definitivamente, não significa que ela nasceu para ser infeliz", explica Flora. "É nesta parte da neurociência que estão os 50% que os pesquisadores consideram serem a porção genética da felicidade. Apesar de existirem ações que cabem à medicina e aos especialistas para estes 50% genéticos, temos outros 50% para desenvolver".


Psicologia positiva e florescimento humano: o sistema para a felicidade

O objetivo da psicologia positiva é fazer com que as pessoas adquiram competências para lidarem com suas vidas cotidianas, sendo capazes de intervir no andamento delas de forma proveitosa; daí a relevância das qualidades, virtudes e forças pessoais, que são habilidades natas, muitas vezes, pouco ou nada exploradas por não serem reconhecidas.

Estão envolvidas neste processo as emoções positivas, cujo desenvolvimento amplia a percepção, a capacidade de raciocínio e os recursos internos para lidar com situações adversas e de estresse. "Por meio do conhecimento das potencialidades latentes de cada um, é possível ativar as emoções positivas e desenvolver as forças de caráter (talentos) – que aumentam os níveis de bem-estar e proporcionam uma realização genuína", explica Flora Victoria.
A tradição do cristianismo de que a felicidade duradoura não pertence a este mundo, ou é algo satânico, contribui para uma ideia, ainda hoje, bastante popular na cultura brasileira: "Se você está muito feliz é melhor se preparar, porque felicidade dura pouco".

Segundo Flora Victoria, o processo proposto pela psicologia positiva surge justamente em linha oposta. "Ao trabalhar suas potencialidades e autoconhecimento, o indivíduo amplia sua capacidade de raciocínio e percepção, o que lhe ajuda a construir uma fonte de recursos internos para lidar com adversidades, passando a vivenciar mais episódios positivos. Quanto mais emoções positivas, mais aptos nos tornamos a reproduzí-las em situações futuras; conforme este ciclo virtuoso se perpetua, ele ajuda a consolidar a resiliência psicológica e o bem-estar subjetivo para que ele aconteça de forma mais perene, levando ao que chamamos de florescimento humano", diz.


Dados da Felicidade – existe um recado aqui

Fatores externos contribuem para a felicidade ou infelicidade individual e coletiva. Segundo o World Happiness Report 2018, realizado pela ONU, com suporte do Instituto Gallup, a avaliação da qualidade de vida dos cidadãos na Venezuela caiu de 7.6 em 2010 para 4.1 em 2016, revelando o impacto das degradadas condições política, econômica e sociais do País.

A fama brasileira, de país de gente feliz, apaixonado pelo Carnaval, não se comprova nos dados do levantamento da ONU. Segundo ele, em relação às experiências positivas e negativas nos cinco dias anteriores à pesquisa, os brasileiros estão bem atrás dos seus vizinhos na América Latina. Na média de 2006 a 2016, o Brasil ficou em 19o lugar, provando que, no seu cotidiano, faltam experiências positivas, como: ser tratado com gentileza e respeito, aprender algo novo e sorrir; e sobram sensações negativas, como raiva, estresse e depressão.

O estudo mostra que, se por um lado os latino-americanos têm como favoráveis à felicidade clima, natureza e relações interpessoais, por outro, problemas econômicos, de segurança e sociais dificultam para que estes cidadãos consigam ter uma vida de satisfação e bem-estar: 36% dos brasileiros e 56% dos mexicanos afirmam que o que ganham não é suficiente para pagar suas despesas. 20% no México e 15% no Brasil foram vítimas de algum tipo de crime no ano anterior.

No WHR 2018, com relação ao impacto desses problemas estruturais, temos como confirmação o resultado de maior votação na América Latina, as respostas:

- Quase todos são corruptos;

- Enfrento dificuldades financeiras e um grande problema para cobrir minhas necessidades;

- Tenho medo da violência, já fui vítima e tenho parentes que já foram vítimas de crimes no último ano.

O recado, embutido nos resultados do recém-divulgado World Happiness Report 2018, remete a uma análise realizada por Flora Victoria em sua dissertação de mestrado, concluída em 2015. Orientada por Isaac Prilleltensky, PhD, psicólogo expert em bem-estar comunitário, Flora, por meio da criação do Projeto Semear, analisou de forma pioneira os diversos fatores capazes de impactar o bem-estar dos brasileiros, que enfrentam diariamente uma realidade repleta de conflitos morais e éticos e permeada por intolerância, corrupção, criminalidade e falta de apoio social.

Ainda em 2015, três anos antes dos resultados recém-disseminados pelo WHP 2018, Flora já havia descrito que o bem-estar, abalizado pelos conceitos da psicologia positiva, é uma construção multidimensional, e por isso não há como qualquer indivíduo alcançar a felicidade autêntica apenas por meio de sua vontade, ignorando a desigualdade e a injustiça. Assim, estar ciente das problemáticas sociais e do relacionamento com o ambiente que nos circunda é um passo fundamental em direção à mudança.



Quero ser feliz. Como faço?

Não há uma receita de bolo, afinal são décadas de pesquisas e estudos e uma boa parte deles ainda não descobertos. Mas diante do que a ciência já comprovou, existem algumas boas atitudes para se debruçar – ao mesmo tempo - rumo à felicidade e elas podem ser agrupadas em um modelo criado pelo dr. Martin Seligman* para catalisar mudanças em todas as áreas da vida, o PERMA.

P – Positive emotions (emoções positivas) são um fio condutor para o bem-estar e a satisfação. Ampliam a consciência das pessoas e estimulam novos caminhos para explorar pensamentos e ações, além de facilitarem o desenvolvimento de novos recursos e habilidades.

E – Engagement (engajamento) diz respeito ao envolvimento consciente de um indivíduo com os diferentes aspectos de sua vida. Significa acreditar que as coisas que você faz valem a pena, e dedicar-se a elas com comprometimento e paixão.

R – Relationships (relacionamentos positivos e conexões sociais) eles são fonte de apoio e de conexão. Segundo as pesquisas de Seligman, as pessoas mais felizes costumam ser as mais sociáveis. Além disso, relacionamentos positivos constituem as bases de instituições positivas, sejam elas famílias, empresas ou comunidades.

M – Meaning (significado e propósito) é o nosso propósito, aquilo que dá sentido às nossas vidas e orienta nossos esforços e objetivos. Que tal parar para pensar ou repensar os seus?

A – Accomplishment (realização) refere-se a atingir os objetivos que estabelecemos para nós. Ela pode ser momentânea, quando não está relacionada a um propósito maior; e um marco de vida, quando é imbuída de significado. De acordo com Seligman, os dois tipos de realização podem contribuir para o aumento do bem-estar.


O problema pode estar na sua ideia de bem-estar

Sabe aquela sensação de 'não estou triste, mas também não estou feliz?'. O bem-estar é mais que a ausência de estados psicológicos negativos; ele é também diretamente influenciado por perspectivas subjetivas, por metas sem alinhamento com seus propósitos, com o que lhe motiva e lhe traz satisfação. "Sem saber, a pessoa acaba se autossabotando. Sua busca pelo bem-estar pleno inevitavelmente fracassa, porque ela deixa de atender suas necessidades e desejos enquanto indivíduo", explica Flora Victoria.

O bem-estar subjetivo é um índice mensurável e que decorre da satisfação nos diversos domínios da existência. Ele está relacionado com a avaliação cognitiva e emocional que uma pessoa faz sobre sua vida. Indivíduos com forte bem-estar subjetivo costumam considerar agradável e recompensadora a vida que têm. Eles mantêm relações mutuamente satisfatórias, veem sentido em suas atividades e têm um senso de controle sobre o que vivem. São esperançosos e otimistas, estabelecem metas, engajam-se em realizá-las e focam seus recursos na superação dos obstáculos ao longo do caminho.

Entender nosso próprio valor e lugar no mundo, para depois investir tempo e energia buscando metas valiosas, é a chave do sucesso. Comunidades com maior bem-estar subjetivo têm menor índice de criminalidade, corrupção e estado de saúde menos precário. Pessoas com maior bem-estar subjetivo vivenciam uma variedade de resultados positivos, como aprendizado eficaz, produtividade, bons relacionamentos e boa saúde.






Martin Seligman – psicólogo americano, reconhecido como fundador da psicologia positiva, PhD e professor da Universidade da Pensilvânia, onde dirige um departamento exclusivo sobre a ciência. Ficou conhecido como "doutor felicidade" depois de estudar, por mais de 20 anos, como é possível ser mais feliz e lançar livros como Felicidade Autêntica e Florescer.



SBCoaching (Sociedade Brasileira de Coaching)
www.sbcoaching.com.br


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