De que maneira os
donos mesquinhos do poder, de esquerda, de centro ou de direita, que governam
as nações fracassadas pensando exclusivamente nos seus interesses privados ou
partidários, conseguem manipular os eleitores e ganhar as eleições?
O que eles fazem
para que o povo excluído das benesses do poder esqueça todas as suas privações
materiais ou os danos que lhe são infligidos diariamente na área da segurança,
saúde, educação, transporte, desemprego, salário, moradia, previdência,
concorrência, excesso de impostos, meio ambiente etc.?
Dani Rodrik
(Valor, 11/9/14) explica que isso somente se torna possível injetando ópio na veia
do povo. A religião, desde logo, como Marx dizia, é um deles. Mas não o único.
As oligarquias
dominantes, particularmente em países vergonhosamente cleptocratas como o
Brasil (cleptocracia vem de cleptos = ladrão + cracia = governo), contam com um
leque imenso de “ópios” que são ministrados diretamente na veia do povo.
Discursos
nacionalistas (Trump), sectaristas (grupos nazistas na Alemanha), de identidade
de um povo, com exclusão dos demais (Orban, na Hungria), fundamentalismos
religiosos (Turquia), verborragia baseada em valores e simbolismos culturais
(Marine Le Pen, França), bandeira de fuzilamento dos indesejados (Duterte, em
Filipinas; correntes de extrema direita na América Latina): tudo isso mobiliza
nossos genes psicológicos atávicos que nos fazem esquecer das privações
materiais e danos diários. Essa é a força dos “ópios” emocionais.
Outro veneno que
gera imediata sensação positiva na população desesperada (mas que dura pouco
tempo), desviando sua atenção das carências materiais diárias, é o da guerra.
Bush fez isso
contra o Iraque. Tiranos e tiranetes latino-americanos também fazem isso com
frequência. Os militares argentinos declararam guerra pelas Malvinas (o
desastre não demorou para chegar). O ditador venezuelano Maduro tem intenção de
declarar guerra contra a Guiana, para lhe tomar a região de Essequibo.
No Brasil o
governo acaba de declarar guerra contra o crime organizado no Rio de Janeiro, tendo
nomeado um interventor militar (general do Exército) para gerir a segurança
pública, ficando tudo diretamente subordinado à Presidência da República.
Na área da
segurança pública, especialmente, tudo que é anunciado pelos governos conta com
amplo apoio popular. Há políticas públicas sérias nessa área, mas também surgem
medidas populistas que são propagadas sem nenhuma previsão orçamentária e
disponibilidade de recursos, sem estrutura para a instalação de serviços de
inteligência, sem o uso das modernas tecnologias.
O campo da
segurança, no mundo todo, é muito propício aos populismos mais grosseiros. O
Estado moderno nasceu, sobretudo, para proporcionar segurança para a população,
que em estado natural (sem limites legais, sem Justiça) vive o que Hobbes
chamava de “guerra de todos contra todos”.
Quando um país
alcança o estágio da desordem, da anomia, sem recursos e sem imaginação para
resolver as causas do problema, só muita injeção de ópio na veia do povo pode “resolver”
a situação.
Mas se as causas
do colapso não são enfrentadas (falta de educação, inexistência de hospitais e
de médicos etc.), é claro que o problema retorna recorrentemente. O Exército e
as forças nacionais já fizeram 36 operações no Rio de Janeiro de 1992 para cá.
A criminalidade, nesse período, não diminuiu (ou não reduziu de forma
consistente).
A intervenção
federal nas cidades que perdem o controle da segurança pública é necessária
(ninguém mais suporta tanta violência, que no nosso caso tem como causa
principal a corrupção), mas ela se deslegitima por completo quando vem
barbaramente contaminada com a embalagem fraudulenta de “ópio para o povo”.
LUIZ FLÁVIO GOMES
- jurista. Criador do movimento Quero Um
Brasil Ético. Estou no f/luizflaviogomesoficial
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