“Que
absurdo!”, exclamei para mim mesmo quando li que Fernando Collor se lançara
candidato à presidência da República na eleição deste ano. Depois, refletindo
mais detidamente, concluí que o absurdo não era tão grande assim se confrontado
com a candidatura de Lula, réu por crimes muitos maiores. Ademais, se a economia no petismo recuou uma
década, não resultará impossível à política recuar trinta anos e reproduzir a
maldita eleição de 1989.
Dirigentes
de partidos de massa, interessados em destruir, por dentro, aquilo que
denominam “democracia burguesa”, têm uma regra de ouro: a ação, a prática, a
práxis – como quer que a denominem - comanda o espetáculo. Integram-na e a ela
se subordinam até mesmo elementos imateriais, como a própria teoria e a moral.
Para Marx, o homem primeiro existe e, depois, se define. Portanto, a moral é
moral em ação.
A militância petista conhece apenas o
jogo – a marcha, o acampamento, a invasão, o grito de guerra -. Já os líderes
desses grupos que convergiram para Porto Alegre com o intuito de atribuir
caráter político ao julgamento de Lula conhecem as regras com que jogam e sabem
que as coisas são como descrevi acima. A práxis dos partidos que se veem como
revolucionários se desenrola dentro e fora das instituições, conforme a
conveniência do momento. Mas qual o perfil dessa desejada revolução? Para identificá-lo basta conhecer as
espontâneas e solidárias manifestações de apreço do petismo. Não convergem elas
aos partidos reunidos no Foro de São Paulo? Não é notória sua estima pelo PSUV
(Partido Socialista Unido da Venezuela), que comanda a perseguição oficial à
oposição e nomeia juízes como quem contrata container para recolher lixo? Não é
igual, em verbo e verba, a afeição pelo PCC (Partido Comunista Cubano) e pelo
MAS (Movimiento al Socialismo)? Já se ouviu alguma crítica de dirigente petista
a qualquer desses infindáveis governos trogloditas? Qual a democracia liberal,
estável e respeitável que mereceu qualquer manifestação de apreço do petismo?
Pois
bem, mundo afora, totalitarismos usam o aparelho judiciário como sótão da
delegacia. A polícia prende, o porão arranca o que deseja e o sótão formaliza a
sentença encomendada. O aparelho judiciário, nos totalitarismos (não era
diferente no nazismo e no fascismo), sempre serve aos objetivos do Estado. É o
que há décadas se pratica em Cuba, na Coreia do Norte e, mais recentemente, na
Venezuela, à vista de todos. E agora, também à vista de todos, cobra-se isso no
Brasil: quando uma decisão judicial convém ao partido ela é dita justa e
isenta; quando contraria o apetite partidário ela é acusada de ser “política”.
Mas não é o contrário?
Para
compreender tanta obstinação é preciso entender que a hegemonia da organização
é essencial à práxis e que concretizá-la impõe a operação de uma central de
narrativas. É preciso criar uma narrativa para cada questão complexa, ou
polêmica, ou inconveniente. O leque é amplo e vai da criação do Universo até o
sítio de Atibaia. Não deixa fora sequer uma pilha de recibos de aluguel sem
cheque, transferência eletrônica, retirada ou depósito. É assim difundindo
criações literárias e publicitárias que os sete processos nos quais Lula é réu
pela prática de diferentes crimes se transformam em coroa de espinhos a ornar a
cabeça de um santo em vida, injustiçado por haver “acabado com a pobreza no
país”.
De fato, apesar do prazo de validade
vencido, o petismo continua sendo potente alucinógeno.
Percival
Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e
escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de
jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a
tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo
Pensar+.
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