O polêmico relatório do Banco Mundial “Um ajuste
justo: Uma análise da eficiência e da equidade do gasto público no Brasil” não
traz grandes novidades para os economistas mais lúcidos e críticos ao obeso
Estado brasileiro. Encomendado pelo então ministro da Fazenda Joaquim Levy –
bem intencionado, mas ingênuo –, o trabalho elaborado por uma equipe de mais de
20 especialistas reúne vários pontos criticados há anos por economistas a favor
da redução do tamanho do Estado na economia, com dados estatísticos e modelo de
análise de referência internacional.
O pressuposto do relatório é apontado logo no
prefácio: garantir um Estado que cumpra seu papel de corrigir as distorções e
injustiças para promover a redução da pobreza. Os dados apresentados, no
entanto, apontam que o Estado brasileiro tem gerado efeito contrário, já que
alguns programas beneficiam os mais ricos em vez dos mais pobres e, se
revistos, melhorariam a equidade e eficiência. Das 19 medidas apontadas para
melhorar a eficiência dos gastos, sete delas melhorariam também a equidade e
quatro são incertas, pois não têm medidas de avaliação. Nenhuma, no entanto, piora
a equidade distributiva.
A maior polêmica gerada nas mídias sociais foi em
relação ao fim da gratuidade do ensino superior, rendendo manifestações
superficiais e distorcidas, mas barulhentas. O trabalho aponta que os gastos
com educação superior são ineficientes, já que 65% dos estudantes de
universidades públicas pertencem aos 40% mais ricos da população. Educação
superior gratuita deveria ser destinada aos que não tem condições de pagar, mas
no caso brasileiro acentuam a desigualdade de renda. Ainda que atendessem aos
mais pobres, os gastos por aluno em universidades federais são entre duas e
cinco vezes superiores aos de universidades privadas.
De modo geral, a educação é ineficiente no Brasil e
o problema não é falta de recursos, mas seu mau gerenciamento. A média da
proporção aluno/professor no ensino fundamental e médio é baixa, mas em
determinados locais a relação é absurdamente elevada. Tentativas recentes de
fechar escolas para melhorar a eficiência da relação aluno/professor resultaram
em protestos.
Mas o relatório vai muito além disso. Aponta, por
exemplo, a disparidade dos salários do funcionalismo público em relação ao
setor privado, que são em média 67% superiores em igual nível de escolaridade e
experiência para os servidores federais e 30% para os servidores estaduais. Os
salários são mais elevados nos poderes Legislativo e Judiciário. Esta
atipicidade em relação ao padrão internacional contribui para aumentar a
desigualdade social, já que 83% dos servidores públicos integram os 5% mais
ricos da população.
A disparidade continua e se acentua na
aposentadoria: enquanto quase todos os servidores se aposentam com salário
integral e benefícios, na iniciativa privada isso é exceção e ocorre
especialmente para trabalhadores com renda muito baixa.
Não fica de fora a análise dos incentivos e
subsídios destinados ao setor produtivo. O trabalho aponta que são concentrados
em grandes empresas, muitas vezes estrangeiras (do setor automotivo e de
eletrodomésticos, por exemplo) ou que contribuem para a redução da concorrência
e mortalidade de pequenas empresas (frigoríficos, eletrônicos, alimentos,
vestuário, entre outros). Não há avaliação da eficiência dos programas e não se
sabe se efetivamente geram emprego e renda à população.
Mesmo os programas de proteção social são
descoordenados e sobrepostos, gerando ineficiência em seu gerenciamento e em má
distribuição dos recursos. Os programas para o mercado de trabalho são do tipo
passivo, de apoio à renda, em vez de incentivar o emprego formal e estável. O
relatório elogia o programa Bolsa Família como “bem direcionado e eficaz em
termos de custo”.
Outro ponto abordado é a ineficiência na
contratação de serviços da iniciativa privada por meio de licitações. Além dos
preços acima da média de mercado, a falta de planejamento nas aquisições
resulta em estoques vencidos em alguns lugares e falta de suprimentos em
outros.
A vinculação obrigatória de receitas a gastos, como
na educação e saúde, também é ineficiente, pois municípios muito pobres
continuam gastando pouco e municípios com grande arrecadação precisam alocar os
recursos naquela despesa para cumprir a meta. Se a vinculação tivesse como
objetivo melhorar a qualidade de vida, deveria ser um valor em relação ao
número de habitantes, não em relação ao orçamento, já que isso acentua a
desigualdade regional.
Talvez o ponto mais frágil do relatório seja em
relação ao sistema previdenciário. Embora mostre que 35% dos subsídios
previdenciários beneficiam os 20% mais ricos, ao passo que somente 18% dos
subsídios beneficiam os 40% mais pobres da população, a fragilidade do
relatório é justamente apontar que a proposta de reforma enviada em maio para o
Congresso reduziria o déficit pela metade e amenizaria a desigualdade entre os
aposentados. De fato a reforma é necessária, mas o mesmo relatório aponta que o
principal problema é o regime previdenciário do setor público, cujo impacto na
reforma seria bem menor que do setor privado. O apoio à reforma, no entanto,
serviu de argumento para criticar o relatório como apoio ao governo atual.
Outro ponto que o relatório não aborda é o custo
com a classe política, que, se reduzido pela metade, não impactaria o
desempenho do país e certamente renderia alguns milhões de economia anualmente.
De modo geral, o relatório quantifica críticas
conhecidas há décadas no país, mas que não foram e dificilmente seriam
implementadas em sua totalidade, pois mexeriam no bolso de grupos muito
articulados, como servidores públicos e estudantes de universidades públicas.
Um grupo de economistas publicou um “manifesto”
contra o relatório cheio de adjetivos pejorativos, o que já indica a
fragilidade dos argumentos. Este grupo faz parte da corrente que defende que a
carga tributária brasileira não é alta e que, mesmo que fosse, é difícil
reduzi-la, pois os gastos são engessados e qualquer corte teria pouco impacto.
O relatório, no entanto, aponta cortes que variam de 0,2% a 2% do PIB,
totalizando uma economia anual de 7% – quase o déficit fiscal atual, que é de
8% do PIB. Mas a solução apontada pelos que protestam é o aumento da carga
tributária.
Os autores não são ingênuos e concluem que as
medidas são profundas e sua implementação dependeria de mais de um mandato
presidencial, além de diálogo com os demais níveis de governo, movimentos
sociais, sindicatos, associações empresariais, entre outros. Ou seja, depende
da vontade política de uma nação em mudar seus rumos, mas ninguém quer abrir
mão de seus privilégios, pois os problemas são sempre os outros. Quem critica o
relatório não o leu, ou é um dos privilegiados que seriam prejudicados.
Leide Albergoni - economista, professora da
Universidade Positivo e autora do livro “Introdução à Economia – Aplicações no
Cotidiano”.
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