Penso que avançaremos mais no combate à
criminalidade se examinarmos a hipótese de estarmos, simultaneamente, sob os
raios e os trovões de uma posição filosófica e de uma atitude política que a
estimulam. Elas penduram a criminalidade num varal que tem uma ponta no
capitalismo e outra na exclusão social. Na lógica da análise marxista, que faz
da vítima um malfeitor, o ladrão é um justiceiro, pararrevolucionário que ainda
não compreendeu bem sua trincheira. Ou, quem sabe, um neoliberal da revolução,
assumindo na iniciativa privada aquilo que deveria ser socializado pelo
coletivo. Aliás, é mais fácil combater o capitalismo com discurso do que vender
o socialismo com exemplos.
Pensando sobre isso, lembrei-me de um
artigo que escrevi para Zero Hora em 2 de fevereiro de 2001. À época, Tarso Genro
era prefeito de Porto Alegre e Olívio Dutra governava o Rio Grande do Sul. Sim,
sim, já passamos por isso. O referido texto tratava de um assalto ocorrido
poucos dias antes na capital gaúcha e que, em vista de suas peculiaridades,
ganhara destaque no noticiário.
Por azares da vida, no momento da
abordagem, a vítima estava sendo entrevistada por um veículo da RBS, tornando
possível a gravação, a transcrição e a divulgação da conversa que se travou
entre o assaltado e o assaltante. Esse diálogo, absolutamente incomum, levou o
episódio ao noticiário de Zero Hora e motivou o artigo que releio enquanto
escrevo. Pasme, leitor: durante a abordagem, o assaltado afirmou e sublinhou,
de maneira insistente, sua condição de pessoa conhecida, de dirigente petista
presente nos noticiários daquele mesmo dia, de amigo do governador e do
prefeito. Foram, ao todo, seis tentativas de trazer política à conversa com o
assaltante.
Quem, na condição de assaltado, cuidaria
de se apresentar como pessoa importante? Fazê-lo seria algo arriscado pois
poderia aguçar a ganância do criminoso. Havia um intuito e uma estratégia
naquela atitude. O assaltado tinha convicção de que produziria efeito positivo
sobre o bandido. Intuía que sua posição estabeleceria uma conexão entre ambos.
O assaltante, porém, não foi sensível. “Não
quero saber do teu trabalho, né meu? Minha caminhada é uma, a tua é outra.”
Com essa frase, a política saiu da pauta
do assalto. E o assalto entrou na pauta da política. Afinal, nossa insegurança
tem a ver com ele. A vítima, ali, sabia que para a esquerda marxista brasileira
tudo se resume a uma luta pelo poder, daí porque a palavra "luta" só
deixa a frase do discurso para virar cartaz de passeata. Sabia, também, que
toda ruptura da ordem serve à causa, quer seja uma invasão de escola por meia
dúzia de adolescentes, quer seja a revolta de um presídio. Aprendeu que
permissividade com o roubo abala o valor do direito de propriedade. Soube que
para Foucault, guru da New Left, “As prisões não diminuem a taxa de criminalidade:
pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e
de criminosos permanece estável, ou, ainda pior, aumenta." Ou, como li
outro dia num trabalho acadêmico: "O controle social institucionalizado, realizado
pelo jus puniendi, com instrumentalização dada pelo Sistema Penal,
carece, hodiernamente, de fundamentação teórica e filosófica que lhe dê
sustentação, legitimidade."
É fácil entender o quanto essa concepção
resulta aconchegante aos criminosos, desestimula a criação de vagas prisionais
e tem oferecido aos fora da lei segurança e condenações sem qualquer eficácia.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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