Antes de delimitarmos a respeito de questões sobre a corrupção faz-se
necessário o seguinte questionamento: tenho contribuído para a cultura de
corrupção que se instaurou, lamentavelmente, de maneira tão intrínseca no país?
Qualquer posicionamento arguido no presente texto será inútil se a
pergunta supracitada não for objeto de reflexão ainda que por apenas alguns
instantes. É nítido que, ainda que seja justificável nos rebelarmos contra a
corrupção e considerarmos comum o repúdio a essa prática, muito tem se falado
dos pequenos atos corruptivos que nós, participantes e integrantes na vida civil
somos surpreendidos ao cometer.
Seria mesmo poder que corrompe os agentes públicos? Ou será que o poder
tem sido vítima de pessoas corrompidas que só se diferem da maioria de nós por
uma posição hierárquica mais ou menos elevada?
De fato, ao delinearmos o tema de crimes contra a Administração Pública,
o primeiro pensamento de muitos é imediatamente interligado aos escândalos
políticos recentes e os rombos causados por criminosos infiltrados no
funcionalismo público. Podemos notar a ocorrência de práticas de favorecimento,
desvirtuamento, desvio e quebra de valores no que se refere à intenção inicial
da prestação do serviço público em prol da sociedade, e embora seja
compreensível que essa premissa predomine, há muitos pequenos atos cotidianos
que auxiliam a recuperação da integridade do patrimônio público estar cada vez
mais utópica. Esses pequenos atos não são do Estado, são nossos!
Uma cultura é formada pelas ações continuadas de uma geração após a
outra, trata-se de uma mentalidade sólida. Uma cultura não se estabelece com
atos isolados e individuais, mas sim com uma infinidade deles produzida dia
após dia. O que vivemos hoje nada mais é do que o resultado lamentável de uma
cultura distorcida que, pouco a pouco, ditou que o incorreto, se vantajoso pra
você, é correto.
Na legislação pátria, encontramos os
crimes contra a Administração a partir do artigo 312 do Código Penal. E um
forte exemplo de crime que coloca o Estado no polo passivo é o de Corrupção
Ativa, descrito no artigo 333 do código. Vejamos.
“Art. 333 - Oferecer ou prometer
vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir
ou retardar ato de ofício:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze)
anos, e multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de
um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite
ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional. ”
Nesse caso, o sujeito ativo do delito
pode ser qualquer pessoa, independentemente de sua condição ou qualidade
pessoal, o que só intensifica a nossa responsabilidade de contribuir com o
Estado em não o corromper. Além disso, importante salientar que a corrupção
ativa se dá pelo oferecimento de alguma forma de compensação
(dinheiro ou bens) para que o agente público faça algo que, dentro de suas
funções, não deveria fazer ou
deixe de fazer algo que deveria fazer. Trata-se de um crime formal, isto
é, não precisa do resultado. A simples oferta já é o suficiente para tipificá-lo.
Ainda que as ações de improbidade
administrativa ocorram na esfera civil, os crimes contra a administração
pública são de âmbito criminal, e embora para o direito administrativo os
funcionários públicos sejam os concursados com funções determinadas em lei,
para o Direito penal são todas as pessoas investidas em cargo público, emprego
público e função pública, transitoriamente ou sem remuneração alguma, de acordo
com o artigo 327 do código penal. Assim, o sistema penal visa proteger não o
Estado em si, mas o funcionamento coerente dos três poderes.
Por fim, é evidente que a
responsabilização dos crimes contra a administração pública praticados por
funcionário público é necessária, e, aliás, devemos continuar lutando
incansavelmente por ela. Porém, nos cabe lembrar que ao vivermos em sociedade,
à cada um de nós é imposto um dever de colaboração, de modo que apenas culpar
quem está no poder e praticar atos igualmente corruptos já nos provou, mais de
uma vez, ser insuficiente.
João
Antonio Pagliosa
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