Delatores, os piores e
mais repugnantes arquétipos. Por óbvio, suas psiques derretem, na medida em que
deduram seus comparsas. Nos meios criminosos, não são tolerados os delatores,
traidores. Para confortar minimamente tais amebas humanas, o STF passou a
chamá-los de "colaboradores". Colaboradores de um Estado que
devastaram, com suas propinas milionárias e suas vantagens bilionárias. Como
consequência, o brasileiro desprovido de saúde, educação, segurança, emprego
etc.
A figura repugna porque
seu coração não dialoga nem mesmo com os parceiros do crime. No enfrentamento
da ditadura militar, raros entregavam seus companheiros, sob o
"pau-de-arara" e a "cadeira de dragão". Morriam com seus
segredos, a exemplo de Wladimir Herzog, Alexandre Vanucchi Leme e outros. Não
havia espécie para os Judas e Silvério dos Reis.
As leis são punitivas ou
premiais. As primeiras impõem um sofrimento. As segundas dão um presente, para
que o cidadão faça algo desejado pelo Estado. As delações usam estas últimas.
Em troca de impunidade, quase absoluta, o governo brasileiro, nesta quadra de
tristeza, as distribui a mancheias. A lei de delação premiada, de 2013, se
inspirou em algo semelhante italiano, na "operação mãos limpas"; que,
sob o amplo espectro histórico, rendeu muito pouco, pois não demorou o retorno
dos Berlusconi, de muitas coligações criminosas e corrupções, inclusive com o
Banco do Vaticano, como bem o sabe o glorioso papa Francisco.
Talvez a delação, até
mesmo, estimule a corrupção. Se for pego, o empresário corrupto delata. E o
político corrompido tem foro privilegiado etc. Não raro, vê-se bom resultado
entre o custo e os altos benefícios, vale o risco, que proporcionam uma vida no
patamar da Revista Caras. Mulheres envelhecidas ficam pelo caminho. O glamour é
o norte dessa bússola vital da politicagem. O sentimento social, político,
vital à vida humana, povoa muitas frontes, mas a maioria se investe nos
costumes da antiga bandalheira.
A delação premiada é um
meio de prova, não uma prova. Leva à verificação do fato, não o demonstra.
Depende de corroborações instrutórias e processuais. Só, de nada vale. Logo, é
de se indagar se vale a pena. O Ministério Público celebra um contrato, nos
moldes do direito civil, um ato juridicamente perfeito, com os salafrários. O
Estado, assim, desce da dignidade aonde foi elevado por Rousseau, Hobes, Locke,
Montesquieu, para tratar com o mais degradado segmento do povo. Precisamente
aquele bicho roedor de suas fundações.
Veremos até que ponto, no
Brasil, esse procedimento, já empregado na dianteira da história mundial,
efetivamente contribuirá à limpeza do terreno de nossa nação, sem a qual ela
sempre patinará no lodo, como o fez até agora, em suas tentativas de galgar a
montanha, tal qual no conhecido mito de Sísifo. A cada subida, uma
escorregadela na lama e a volta ao ponto de partida, um mundo do absurdo das
literaturas mais impressionistas. E, com efeito, sem debelar a corrupção, nosso
mal maior, as propaladas reformas não passarão de tentativas e arremedos.
Note-se o
paradoxo. Hoje o STF debate o tema. Ministros lembraram o dispositivo
que não permite a delação aos chefes das organizações criminosas. Os irmãos
Batista foram beneficiados. Ministro da envergadura e experiência do decano
Celso de Mello sustenta que não se pode, "a priori", dizer que os
irmãos eram os chefes da j&F e do esquema JBS. Por consequência, não
serão sequer denunciados, depois do maior golpe, do maior assalto ao trem
pagador perpetrado no Brasil, e homiziar-se numa cobertura de Nova York. Ora,
Ministro, até as pedras sabem que são os chefes. Ou haverá um poderoso e
desconhecido chefão? Ainda hoje os demais Ministros estarão confirmando a
legalidade da delação dos manos e os levando ao paraíso.
De equívocos sobre
equívocos caminhamos aos tropeços. Como se sabe, em todos os níveis e poderes.
Quando até mesmo o direito e seus sólidos princípios fundantes sofre um
processo de derretimento, há que refazer tudo. O homem é capaz. O brasileiro é
capaz. Das cinzas nasce a fênix, é a grande força humana no processo
civilizatório.
Amadeu
Roberto Garrido de Paula - Advogado
e sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.
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