“O Brasil precisa de uma reforma política”.
Costumeiramente esta frase de efeito conquista plateias, como um mantra
uníssono entoado por especialistas e nem tanto, uma resposta pronta para
dirimir os males que acometem o país. Existe a sensação de que a crise hoje
experimentada poderá ser ultrapassada apenas e tão somente a propalada e
enigmática “reforma política”. Ficam as questões: qual reforma política, quem
as fará e será que realmente ela é essencial?
Já tivemos eleições financiadas com recursos públicos,
privados, misto, com empresa, sem empresa. Neste último ciclo, as eleições
foram financiadas por parte de recursos públicos (fundo partidário e contrapartidas
das isenções tributárias para as emissoras de rádio e TV) e parte privado
(doação por pessoas físicas), vedada a colaboração de empresas. Não tivemos nem
tempo de testar esta solução, e já apontam que o “ideal” seria a doação 100%
estatal. Veja, o fundo partidário anual saltou nos últimos períodos de R$ 319
milhões para R$ 900 mi, e existem vozes de coalizações partidárias dominantes
que querem elevá-la a R$ 3,5 bi. Será oportuno que o contribuinte brasileiro
tenha mais esta despesa? Será tal a saída a evitar distorções, abusos do poder
econômico ou corrupção? As dúvidas e os revezes parecem dominar as propaladas
vantagens.
Outro reclamo se dá quanto a obrigatoriedade do voto. O
fosso da representatividade (“eles não nos representam”) poderia ser incrementado
com o fim do voto obrigatório (que não é tão obrigatório no país, pois cabem
largas justificativas ou irrisórias multas), na medida em que uma parcela ainda
inferior da população (democracias evoluídas indicam a participação de menos da
metade dos eleitores) escolheria todos os mandatários.
Será possível diminuir o número de partidos? A
Constituição não permite e sequer pode ser alterada neste ponto. Então limitar
o seu funcionamento, acesso a fundo partidário e tempo de TV? Do que adiantaria
se tivermos 7 ou 10 partidos com efetiva participação, se persistir a cooptação
por emendas parlamentares ou o direito a indicações de cargos no Executivo?
Então, o ideal, segundo apregoam, seria acabar com o
sistema proporcional, substituindo-o pelo majoritário (distrital ou distrital
misto), para escolha dos parlamentares. Novamente, um beco sem saída. Na França
se discute que o sistema proporcional poderia favorecer o pluralismo e
diversidade das forças políticas, o que nem sempre é refletida noutros modelos.
Não existe uma solução segura e decisivamente mais adequada. Nem lá, nem cá.
O debate sobre reforma política precisa ser feito e
talvez a melhor conclusão seja que neste momento o melhor é nada fazer. Quem
garante que a próxima reforma político-eleitoral não será capaz de agudizar
ainda mais a crise instalada? Mesmo lugares comuns, como a limitação das
coligações partidárias e instituição de cláusula de barreira seriam motivos
suficientes para abrir a caixa de pandora para introjeção de cavalos de troia.
A adoção de respostas legislativas como mecanismos
conducentes à busca de melhorias no comportamento e participação do eleitor
podem não ser a alternativa indicada. A prescrição de que reformas
político-eleitorais sejam efetivamente a resposta correta à crise da
representação política e da apatia eleitoral podem redundar no afunilamento e
na volta da crise já instalada, ante a ineficiência da via eleita para
salvaguardar os problemas que não mereçam, essencialmente, reparos jurídicos.
Se é para frisar uma frase feita, fico com “o inferno
são os outros” de Jean Paul Sartre. A dificuldade imensa para lidar com as
nossas idiossincrasias, com nossas más escolhas políticas ou trejeitos
patrimonialistas precisa ser superada, refletida, amadurecida e restaurada. O
outro não é o culpado pelas (nossas) faltas éticas. A alteridade esperada pelo
povo ao demandar uma reforma política talvez não seja correspondida, quiçá até
subvertida por aqueles que hoje possuem o poder e num senso de autoproteção,
mudem tudo de um jeito que nada saía do lugar.
Luiz Eugênio Scarpino Junior
- Advogado,
Professor e Mestre em Direito, com destaque nas áreas Pública e Eleitoral. Atua
há mais de uma década na defesa direta de políticos, em todas as esferas, além
da organização de contratos e interesses de empresas de atuação no setor
público. Coordenador da Comissão de Direito Eleitoral da OAB – regional
Ribeirão Preto -, integra ainda a Comissão de Direito Eleitoral da OAB de São
Paulo. Com vasto conhecimento acadêmico, é autor de livros e artigos em
Direito Eleitoral, Administrativo, como o bestseller "Sérgio Moro: O
homem, o juiz e o Brasil" (ed. Novo Conceito) e Moralidade Eleitoral
(Lumen Juris).
Nenhum comentário:
Postar um comentário