Uma cena muito comum nos hospitais e clínicas
brasileiras pode se tornar crime: a autorização prévia para atendimento de
urgência e emergência. No último dia 12 de julho, o Senado Federal aprovou um
projeto de lei que veda e enquadra como crime a exigência de autorização prévia
de operadoras de planos de saúde para atendimento de casos de urgência ou
emergência. A proposta prevê pena de detenção de três meses a um ano, além de
multa. Se a recusa de atendimento resultar em lesão grave ou morte, o tempo de
detenção poderá ser aumentado em metade ou triplicado.
Alguns senadores queriam estender a pena para outros atendimentos,
mas num primeiro momento apenas a autorização prévia de urgência e emergência
será considerada um delito. Quando se trata de um caso de alto risco o
atendimento deve ser imediato, sem qualquer tipo de consulta a operadora. O
paciente corre risco de vida e, como em milhares de casos que acompanhamos
diariamente pela mídia, pode perder a vida por conta da falta de atendimento
urgente.
Para os serviços de pronto atendimento, cria-se a necessidade
maior de serviços de triagem. Uma classificação de risco do paciente mais
eficiente permitirá aos serviços de urgência e urgência a defesa diante de
alegações infundadas de pacientes e familiares. Lamentavelmente, há aqueles que
sabedores da criminalização da exigência de autorização, poderão tentar
aproveitar-se de condições já sabidas de atraso de pagamentos e quiçá da
ausência mesmo de plano, como ocorreu quando da proibição da exigência de
caução para a realização de atendimentos.
Como em qualquer crime tipificado no Código Penal Brasileiro, será
necessário instaurar um inquérito policial e a ação da equipe médica e do
estabelecimento hospitalar deverá ser apurado, antes da aplicação de qualquer
pena ou sanção.
Tal medida, se aprovada visa barrar a prática de hospitais e
clínicas que tratam a vida comercialmente. Ainda que nossa sociedade seja
capitalista, em que se visa sobretudo o lucro, a saúde deve ser vista como um
bem social e coletivo a ser priorizado a qualquer custo. O paciente não deve
ser enxergado somente como cifras, em especial ao ingressar em um hospital
entre a vida e a morte.
O projeto aprovado pelo Senado também prevê que deverá responder
pelo crime o representante, funcionário, gerente ou diretor dos planos de saúde
ou da unidade de saúde que condicionar o atendimento à prévia autorização dos
planos de saúde. A proposta também estende a punição a qualquer outro tipo de
condição para o atendimento de urgência e emergência, como a exigência de
cheque-caução ou nota promissória.
Ou seja, qualquer tipo de garantia financeira para o atendimento
de urgência emergência também poderá resultar em crime. Vale lembrar que em
Brasília, em 2012, o secretário de Recursos Humanos do Ministério do
Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira, morreu de infarto agudo do miocárdio
após ter seu atendimento recusado em dois hospitais. Ele deixou de ser
socorrido pelo fato de não ter podido fornecer um cheque-caução, garantia
exigida até que fosse emitida a autorização do seu plano de saúde para o
atendimento. Esse é um exemplo que ocorre cotidianamente nos estabelecimentos
hospitalares pelo país.
No relatório dos senadores, fundamento utilizado para apresentar o
projeto de lei, foi ressaltada nota técnica encaminhada pela Agência Nacional
de Saúde Suplementar (ANS), que descreve as autorizações prévias como
mecanismos de regulação aceitos no mercado de saúde complementar, desde que não
impeçam ou dificultem o atendimento em situações de urgência e emergência.
Logicamente, no papel, o texto impressiona e pode ser uma forma
populista de se resolver um problema maior que é a precariedade no atendimento
nos hospitais de portas abertas do SUS. Fato é que as punições demorarão a
chegar.
A responsabilização criminal e civil poderá salvar milhares de vidas
todos os anos daqueles que procuram os serviços privados, mas e a questão dos
públicos, os quais não exigem caução, mas acabam por trazer danos aos paciente
pela demora no atendimento e a precariedade dos serviços?
Deve-se analisar com cautela essa projeto, para que ele não sirva
apenas como mais um paliativo a esconder os reais problemas na saúde.
Sandra Franco - consultora jurídica
especializada em Direito Médico e da Saúde, presidente da Comissão de Direito
da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos/SP,
presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, membro do Comitê
de Ética da UNESP para pesquisa em seres humanos e Doutoranda em Saúde Pública.
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