quinta-feira, 29 de junho de 2017

Os ricos e a apropriação de renda via previdência social



Temos sido como que uma decorrência simples de nós mesmos. Não creio na linearidade da História, mas às vezes me fica a impressão que somos, nos privilégios de certas castas de hoje, um simples desdobramento das desigualdades do passado.

Com a vinda da Corte portuguesa ao Brasil, em fuga de Napoleão Bonaparte, vieram as regalias da nobreza. Aos nobres se reservou o que havia de melhor. O melhor era trabalhar no aparato estatal real, quer dizer, em algum emprego público.

Entre 15 e 25 mil, é o número estimado de cortesões que atravessaram o Atlântico. Apurado tal número, deduzindo-se mulheres, crianças e alguns serviçais, supõe-se que se criaram, para acomodá-los, algo entre 5 e 10 mil empregos públicos.

Empregos para acomodar essa gente que se confundia com a máquina administrativa do Estado português sediado, por circunstâncias forçosas, em terra brasileira. Fugido às pressas, Portugal teve tempo de trazer na bagagem os modos portugueses de ser.

A nossa Coisa Pública nos caiu de pacote, lançada sobre o que tínhamos de uma incipiente Sociedade. Não construímos nos desdobramentos das necessidades a nossa burocracia estatal; a Corte, majestática, deitou-se sobre o Brasil.

No andar dos acontecimentos, então, o lugar nobre do emprego público foi inaugurado pelos áulicos; depois, foi recinto dos filhos dos coronéis da política; a seguir, feito prêmio para os indicados partidários; após, mantidos por “direitos adquiridos”.

Estão aí, ainda hoje, a nobreza do emprego no Estado, o corporativismo que compartilha vantagens que o trabalho na iniciativa privada não possui, a partilha partidarizada da sua gerência, os penduricalhos de “vantagens adquiridas”.

Tudo isso desembocou na previdência. Temos dois regimes, regra geral: o que protege os funcionários públicos, o que abrange os celetistas. Até onde a internet pode me informar, essa separação entre trabalhadores é uma exclusividade nacional.

Trago dados apresentados e discutidos no programa Canal Livre publicado em 10abr17, apresentado por Ricardo Boechat, com Fernando Mitre e Eduardo Oinegue, recebendo José Márcio Camargo e José Roberto Savoia. 

Gastamos 13% do PIB com previdência com pessoas acima dos 60 anos, assim como a Alemanha. Temos 11% da população acima de 60 anos; a Alemanha, 23%. Países com população de mais de 60 anos equivalente à nossa gastam em média 4% do PIB.

No setor público há paridade de vencimentos entre o servidor na ativa e o aposentado. A média de aposentadoria nesse setor é R$ 9 mil; no setor privado é R$ 1.6 mil. Exatamente o setor produtivo é o castigado pelo nosso sistema.

Entre os Poderes da República, o gasto médio no Legislativo é R$ 28 mil; no Judiciário é R$ 25 mil. No Ministério Público é acima de R$ 30 mil. A média do Executivo é mais reduzida, inclusive pela discrepância de salários dentro do próprio Poder.

O setor público gasta 115 bilhões com 1 milhão de aposentados, o setor privado gasta 500 bilhões com 33 milhões. A quantidade de aposentados com a média de R$ 1,6 mil é de 33 milhões. Um milhão de pessoas alcança média de R$ 28 mil.

O déficit acumulado do setor público de 2001 a 2015 é de R$ 1,3 trilhão; o do setor privado foi de R$ 450 bilhões. Comparando, o bolsa família nesse período gastou R$ 250 milhões, atendendo a 30 milhões de pessoas.

Aposentadoria do setor público é o maior programa de transferência de renda de pobre pra rico. Esse setor formou um estoque de direitos em aposentadorias e pensões, provocando um buraco de 250 bilhões ano na previdência.

A previdência tem R$ 450 bilhões de crédito. R$ 300 bilhões tornaram-se incobráveis. Esse crédito é um estoque, mesmo que se o realizasse, seria uma entrada única. O problema da previdência é de fluxo. Ainda que se cobrisse o furo, ele se repetiria. 

Pobre aposenta-se por idade aos 65 anos. 60% dos aposentados por idade é de baixa renda. Classe média e alta é que se aposenta por contribuição. À maioria dos aposentados toca a aposentadoria mínima, que é o salário mínimo. 

Nosso sistema previdenciário, pois, se é um problema para o Brasil, é uma solução para as castas que se agarram às entranhas do Estado e dele ou por meio dele sugam tudo o que podem, inclusive a renda de final de vida dos desfavorecidos da Nação. 




Léo Rosa de Andrade - Doutor em Direito pela UFSC. Psicólogo e Jornalista. Professor da Unisul.




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