Há crimes que se pode
praticar só: matar, roubar, furtar etc. Não há como delatar outros e sair
sorrindo. Ainda, devolver apenas parte de coisa, da "res furtiva",
ficando com o lucro.
Já no crime de corrupção,
há dois polos do ato criminoso: ativo, o corruptor, e passivo, o corrompido.
Corrompidos são agentes e
servidores públicos, políticos em geral, segundo as últimas e tristes notícias
que consomem os noticiários de nosso País. Corruptor pode ser qualquer
um, até mesmo mediante um bombom. Mas as corrupções mínimas não estremecem o
País, embora sejam eticamente reprováveis. O que fez de nossa sociedade uma
baixada pantanosa e desesperadora foi a corrupção alta, de grandes valores,
milionários e bilionários, que extraíram, como o faz qualquer ladrão, dinheiro
da saúde, da educação, da justiça, do desenvolvimento que gera postos de trabalho.
Nosso superior, embora não o único, perdoem-me os donos das miraculosas
soluções teóricas, econômicas e sociais, problema, é a corrupção altíssima e
devastadora. Daí nosso estado atual.
Sob miragem da operação
"mãos limpas" da Itália, que, ao fim e ao cabo, redundou num
retumbante fracasso, com a volta dos Berlusconi da vida, com a corrupção,
inclusive, entremeada com o Banco do Vaticano, o Brasil promulgou uma lei que
deve ser profundamente rediscutida: a lei que premia delatores, a pior espécie
dos caráteres humanos, os traidores de seus antigos parceiros, sejam da
legalidade ou da ilegalidade. Não há no mundo paradigmas mais repugnantes do
que Judas Iscariotes ou Joaquim Silvério dos Reis.
Há delinquentes que são,
pelo menos, homens que se dispõem a pagar por seus crimes, com coragem,
até o final de suas vidas. Há até mesmo os que, em determinado momento da vida
delitiva, desejam ser apenados. Testemunhamos fatos dessa natureza em mais de
40 anos de exercício ininterrupto da advocacia.
Pois bem, apenas para
exemplificar: essa lei (n. 12.850/2013) permite que uma organização criminosa
como a JBS, em atuação no Brasil, por seus diretores máximos, embalados em
conluio com um governo sem um mínimo brio, que todos desejamos esquecer e
riscar do mapa político, pratique crimes de corrupção na ordem de 10 bilhões de
reais, o que significa que sangraram os cofres públicos em cerca do décuplo; e,
no acordo celebrado com a Chefia do Ministério Público e homologado, só nas
suas formalidades externas, pelo Supremo Tribunal Federal, tenham reembolsado
os cofres públicos em meros trezentos milhões, uma gorjeta diante da magnitude
do crime.
Indaga-se: haverá melhor
negócio? Corrompo. Se descoberta a manobra repugnante, delato. Nem sequer sou
denunciado, como não o foram os diretores da J & F, principais autores dos
crimes. Quer isso dizer que nem sequer serei processado, apenas se for pilhado
numa mentira demonstrável por si mesma, por uma contradição íntima. Voarei como
um passarinho, depois de haver lesionado gravemente meus compatriotas, até
pousar numa régia cobertura na Quinta Avenida.
Ah, é um meio de prova.
Talvez (dependente de corroboração), e de impunidade. Só uma das partes
delinquentes é punida, o corrompido. E, tratando-se de altas autoridades políticas,
no torvelinho de múltiplas marchas e contramarchas. Na verdade, a delação
premiada é a confissão da inépcia da polícia, confortada na confissão de
um delator. E o Brasil, hoje, é o País que mais recorre à delação premiada no
mundo. Há países em que ela causa nojo e asco, e o delator é convidado à morte.
Amadeu
Roberto Garrido de Paula - Advogado
e sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.
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