Um avião deixa o Campo de Marte num momento de chuva
intensa, expõe-se a fortes chuvas no início da tarde em Parati, aeroporto sem
condições de aterrissagem salvo por meio visual, desprovido de mínimas
condições tecnológicas para operar nessas circunstâncias. As chuvas em Parati
perderiam intensidade, como efetivamente perderam, minutos ou horas depois, o
que afastaria o risco. Imprudência de jovens aventureiros, mas absolutamente
inadmissível, estando na aeronave o nome mais importante na operação lava-jato,
o procedimento policial e criminal mais importante na história do Brasil.
É certo que pelo menos o corpo de uma mulher, ainda no
começo da manhã desta sexta, ainda se encontra na aeronave. Os primeiros
agentes salvadores procuraram retirar os destroços das águas, porém receberam
ordem da aeronáutica de deixá-lo como se encontrava, "para facilitar a
perícia". Ora, em mais longas horas sob a ação da intempérie e das
naturais oscilações do mar tais destroços sofreram os efeitos de causas
supervenientes. A perícia se prejudica, ao invés de ser facilitada.
O macabro está em deixar no interior da aeronave o corpo
feminino, de cerca de vinte anos (notícia veiculada pela imprensa),
supostamente morto. Supostamente porque não foi resgatado para certificação dos
sinais tanatológicos de certeza, e, em caso positivo, para a indispensável
necropsia. O único indício da morte está em que a vítima deixou de responder, o
que é simplesmente grosseiro no campo da medicina legal. A hipótese de morte
decorrente da suposição e da inércia em se retirar o que restava do avião do
mar não pode ser definitivamente descartada.
Por outro lado, há notícias de mais dois corpos
desaparecidos e parcas informações de busca. Os nomes dessas três pessoas não
foram divulgados. É impossível que a empresa proprietária da aeronave, que
conduzia seu Presidente, e o sistema administrativo do Campo de Marte, não
disponha desses elementos. Segredo de Estado, a ser divulgado depois de mais de
duas décadas ao povo brasileiro?
É possível que essa conduta tenha em conta preservar a
reputação das vítimas identificadas, principalmente a do impoluto Ministro
Teori, mas isto está longe de ser uma justificativa para as ações adotadas,
especialmente porque o que eventualmente resvala para o terreno de moralidade
ou de preconceitos não pode influir na segurança jurídica.
Em suma, é cruel não resgatar de imediato um corpo preso
nos destroços e deixar que se deteriore, sobretudo sem certeza sobre a
preservação de sinais vitais. É homicídio marcado por dolo eventual, caso a
perícia superveniente possa determinar com precisão a hora da morte, considerado,
agora, o estado de decomposição do corpo.
A Aeronáutica e outras autoridades têm esclarecimentos a
prestar, diante de circunstâncias do fato que foram pulverizadas por um
lava-jato.
Amadeu Roberto
Garrido de Paula - Advogado e membro da Academia
Latino-Americana de Ciências Humanas.
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