Não é necessário varrer a história. Uma única geração
basta. O passado recente, imiscuído no presente e determinante do futuro. 1968.
O ano que terminou. Nada é perene, nem as mais representativas glórias. Também
neste artigo esqueceremos as vilanias do regime de exceção. Tentemos fincar em
nosso racional e nosso instinto.
Fomos às ruas, centrados. Queríamos mudanças de costumes
opressores, vitorianos. Freud ainda era vanguarda. Em primeiro,
buscávamos a liberdade. A igualdade, a justiça. Justiça social é redundância. A
solidariedade. O amor, micro e macro. Revolução, em seu sentido. A Europa se
contentava com a superfície. Nossos bravos estudantes com as profundezas econômicas.
O homem é inescapável de seu meio. Todos, porém, uníssonos em seus
ideais.
O Brasil viveu o golpe no golpe. Foram-se esperanças,
alternativas sonhadas. Bravos jovens empunharam armas. O direito de
resistência, aos que o ignoram. Outros e outras forças a estrada institucional.
Opções naturais da política. Órgãos de segurança cresceram como câncer na
ditadura. Natural, esta era um corpo predisposto à metástase. A ajuda externa
garantiu a repressão brasileira. Somos tão tupiniquins que até as famosas
"C14" foram doadas. Com o "placet" do governo central,
desestruturaram, estupraram, violentaram e mataram. Ainda hoje parte
dessa geração é formada de zumbis neuróticos, para desespero da psicanálise.
Outros superaram os efeitos das perfídias. É próprio das mulheres e dos
homens.
Por fim encontramos a cidade dos desejos. Respeitáveis
lideranças exiladas voltaram a discursar. Assumiram seu papel. A
implacabilidade do tempo, porém, dar-lhes-ia o fim natural. Pertenciam à
geração anterior.
Aos 65 de minha idade (a expressão é de Carlyle), como
tantos, envolvo-me na frustração. Nossa última experiência democrática foi
trágica. Só uma Constituição. Pedaço de papel, rabiscado tantas vezes pelo
"constituinte derivado". Como é do povo, a maioria das leis "não
pegam". Há um "ranking" internacional de democracia. Nosso País
figura entre as últimas. O STF diz que a Constituição é a lei interpretada por
eles. Sem modéstia e, não raro, atabalhoadamente.
A lei inconstitucional é constitucional até que 11
iluminados a examinem, depois de anos ou décadas.
Nesse tempo, multiplicam-se as concussões, corrupções,
carestias, conjuras. A torpíssima figura do delator está em moda. Não São
Judas, porque Iscariotes ascendeu ao pedido de Cristo para ser o traidor.
Imolou-se. Nada de trinta moedas. As escrituras deveriam ser escritas. Se tens
fé, reze para Judas nos momentos de turbulência. Foi o mais corajoso dos
apóstolos.
Os delatores no meu País exalam o suor dos elefantes após
cruzarem o deserto. Temem o banho frio e a cloaca no chão, enquanto muitos de
nossos contemporâneos não hesitaram em dar a vida.
O PIB brasileiro é vergonhoso, exceção ao PIB do crime
organizado. Este movimenta de 3 a 4 trilhões de dólares anuais, segundo a ONU.
Não é possível sem a convivência do sistema bancário e financeiro
internacional. O Brasil faz parte significativa dessa riqueza. 1 trilhão
gera o narcotráfico. O restante, principalmente, de armas leves e letais. O El
e a Al Qaeda têm substrato em significativo comércio de petróleo.
Nosso horizonte desapareceu com a noite. Esta é bela para
nossas reflexões e nossos amores. Vislumbrar o futuro exige a luz do sol.
Perdemos sua simbologia. Acrescente-se o Legislativo em boa parte corrupto e
descomprometido. O Judiciário desbussolado, a partir do STF. E o Executivo a
navegar num mar agitado e sem porto.
Nossa geração está profundamente frustrada. A grande luta
foi utópica.
Nossa democracia, pela qual ainda urge lutar, com
tenacidade, talvez seja construída na próxima ou nas próximas das próximas.
Somente nos cabe transmitir valores e experiências que nos agitaram, para que
não sejam esquecidos. "É o despertado momento em que se descobre que esse
império, que nos parecia a soma de todas as maravilhas, é um esfacelo sem fim e
sem forma, que a sua corrupção é gangrenosa demais para ser remediada pelo
nosso cetro, que os triunfos sobre os soberanos adversários nos fez herdeiros
de suas prolongadas ruínas." (CALVINO, Ítalo).
Amadeu Roberto
Garrido de Paula - Advogado e membro da Academia
Latino-Americana de Ciências Humanas.
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