quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Todopoder


Uma expressão da língua espanhola, mais descortinadora do que o equivalente em nosso léxico: poderoso. Aqui, podemos e estaremos nos referindo a uma pessoa.

Em espanhol, convém, ainda, ao conjunto das instituições, a um governo em que as instituições de acoplam para ser um todopoder, a opressão, a negação da democracia, quando não se refere ao povo como protagonista.

O todopoder manda em nosso país e não ouviu a voz das ruas.

Essa aparece em discursos demagógicos, mas não é respeitada. Tampouco é descoberto, de modo consequente, o significado das amplas mobilizações que levaram ao necessário impeachment de Dilma e, deve-se sublinhar, não se deu carta branca ao governo Temer. 

Sabemos da emergência que nos assola, mas nada justifica que medidas provisórias - como atacamos os decretos-leis da nefanda ditadura militar! - tomem o lugar de projetos de leis, de convocações de audiências públicas, de incorporação do povo ao processo de salvação nacional.

E, sem o povo, único que deve exercer o todopoder, nada se alcançará. Permaneceremos no brejo cinzento e putrefato. Isso porque, sem consenso básico, nada se faz. Imposições autoritárias nunca tiraram país algum de crise alguma; no máximo, aliviaram as ansiedades de determinadas classes privilegiadas.

Sabemos que esse não é o discurso de Temer e cremos em sua sinceridade ao dizer que não pretende golpear politicamente, mas resolver nossos problemas graves e imediatos. Se assim é, não deve continuar refém dos grupos parlamentares que só gostam de ouvir a própria voz e dar conforto aos próprios corpos. Deve o Presidente provisório ter a coragem de governar com autoridade e não com autoritarismo, a frente de um povo que se discipline ordenamente e compreenda a profundidade de nossos problemas e as reformas mais emergenciais, ainda que de maneira superficial. O instinto popular é como um vento salvador em tempestada marítima, que não dispensa um bom timoneiro.

Até agora, só ouvimos falar em reforma trabalhista. Fácil, porquanto se resume a transferir a convenções coletivas o que está na lei. Os sindicatos de trabalhadores que lutem para recuperar o que já haviam alcançado e que está expresso no art. 7º da Constituição, rol de direitos humanos que não são pelo menos expressamente, cláusula pétrea, a menos que se infira da Constituição Federal a existência de uma cláusula implícita de não retrocesso; imaginem o debate que essa questão pode gerar no seio do Supremo Tribunal Federal, de resultados imprevisíveis. 

Antes de propor a fácil reforma trabalhista, ouça o Sr. Presidente o povo, a sociedade organizada e legítima; verá que são cronológica e essencialmente prioritárias a reforma do Estado (administrativa) e tributária (meios de funcionamento do Estado). Feitas tais reformas, ficando claro na consciência dos brasileiros o esforço sincero de toda a nação no sentido de sair do buraco, é possível que os trabalhadores concordem em dar sua quota-parte no processo de retomada de nosso desenvolvimento, enterrado pelos oportunistas das propinas, vís delatores, sujeitos a penas criminais que se abrandam com nossos regimes de progressividade e não repõem ao estado anterior os cofres públicos vandalizados. 

Em suma, é necessário corrigir a rota do navio à deriva no mar sem porto. Mais democracia e menos ouvidos murchos e interesseiros, próprios da classe política, na qual, primeiramente, estão os próprios mandatos e, depois, a sobrevivência dos partidos que proliferaram como pragas em nosso país. 

Se essa imensa e nobre tarefa não estiver ao alcance do Dr. Michel Temer, os povos do mundo inteiro jamais foram capazes de formular outra saída: eleições gerais e um novo poder constituinte originário, em assembleia mista, de parlamentares e das melhores inteligências da nação, que possam formatar outro caderno de leis fundamentais, a serem cumpridas, ao contrário do que ocorreu com a maioria das normas da Constituição cidadã, justamente aplaudida em outro e atípico momento.






Amadeu Garrido - advogado e poeta. autor do livro Universo Invisível, membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas. 

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