É
possível fazer tanta coisa – e de forma eficaz – ao mesmo tempo? Sim, o
processamento de pensamentos colaterais é moeda corrente nos labirintos do
cérebro feminino.
Quando o
britânico Daily Mirror publicou uma entrevista com um renomado expert em
ciência do sono do país, a matéria provocou certa insônia que se espalhou entre
os CEOs de grandes empresas do bloco europeu e dos EUA. O doutor Jim Horne
disse, com base em pesquisas conduzidas por ele na Universidade Loughborough,
que as mulheres necessitam de meia hora a mais de sono a cada noite.
O motivo
dessa diferença em relação aos homens decorre, de acordo com o cientista, do
fato que as mulheres utilizam mais seus neurônios durante a jornada
diária e, dessa forma, precisam de um período maior de recuperação.
Nada disso
seria surpresa para Ana Paula, que chega pontualmente no escritório 16 minutos
depois das sete horas a cada manhã. Encontra seu notebook aberto e a secretária
a postos. Ela é a CEO de uma distribuidora petrolífera no sul do país e inicia
sua jornada com três planilhas na área de trabalho, todos os canais de e-mail
corporativos, o editor de textos com relatórios detalhados e o navegador
contendo várias janelas dos portais de notícias até os gráficos da Bovespa,
NYSE e Nasdaq. Enquanto ouve as primeiras informações da manhã pela secretária,
ela disca o número de seu colaborador imediato no andar de cima, organiza
mentalmente os planos para o jantar com um grupo de investidores leais e
rabisca na agenda o lembrete para buscar dois vestidos que havia levado à
laundry shop.
Perguntam os
experts em neurociência: é possível fazer tudo isso – e de forma eficaz – ao
mesmo tempo? Sim, o processamento de pensamentos colaterais é moeda corrente
nos labirintos do cérebro feminino. “As mulheres precisam dormir, em média, 20
minutos mais do que os homens porque seu cérebro trabalha de forma mais extensa
e precisa refazer-se de maneira mais completa”, explica Horne.
Trata-se de
um tipo de cálculo que leva em conta a multilateralidade do trabalho dos
neurônios cerebrais da mulher. Isso funciona da seguinte forma. O pensamento –
ou a formação das ideias – depende de um trabalho colaborativo entre dezenas de
milhares de neurônios. Eles se conectam começando pelo envio de impulsos
elétricos pelo primeiro que, com a ajuda de um mensageiro químico, providencia
para que este “salte” ao neurônio seguinte. Em uma fração de segundo, 50 mil
neurônios estão conectados para gerar a ideia mental sobre “qual o valor da
ação da empresa no mercado agora?”.
Pois bem, a
organização bem sucedida de um evento que precisa dos neurônios pertencentes ao
que se convencionou chamar de cérebro social— o que inclui estruturas
como o córtex prefrontal, amígdala, giro do cíngulo, junção temporoparietal, o
sistema de neurônios em espelho e o assim chamado fascículo uncinado – requer
muito mais. Para aglutinar ideias em torno da reunião dos investidores da
empresa no jantar semestral em sua casa, a articulação, execução e coordenação
do evento exige atividade neuronal no sistema de neurônios social perto do
número de planetas na galáxia.
Os tentáculos
dos neurônios que fazem parte deste sistema são fisicamente mais longos e vão
de um hemisfério do cérebro para outro e da zona mais interna para o córtex na
faixa mais externa. Ativar estes neurônios requer maior arregimentação de
insumos – oxigênio, glicose, estruturas internas dos neurônios, formas
específicas de gordura – o que conduz a grande consumo de energia. E o sono é
considerado agente reparador com dupla função: permite a recuperação da energia
consumida e garante a fixação das ideias sociais nos arquivos de memória do
hipocampo.
Ana Paula sai
rapidamente do prédio da empresa e pede ao porteiro o favor de manobrar o carro.
Ele responde argumentando ser a quarta vez na semana que ela evita manobrar o
carro. Ela sabe que ele deseja ser colaborativo, mas contra-argumenta ser
“difícil para meus neurônios da cabeça”. Sorrindo uma fileira de dentes
brancos, ele aquiesce que sim. Vá entender.
Martin Portner - Neurologista e Mestre em Neurociência pela Universidade
de Oxford e especialista em Mindfulness. Há mais de 30 anos divide suas
habilidades entre atendimentos clínicos e palestras, treinamentos e workshops sobre sabedoria, criatividade e mindfulness. www.martinportner.com.br
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