Simone de Beauvoir disse a célebre frase: “Não se
nasce mulher, torna-se”. Tornar-se, aqui, leia-se como o empoderamento de si e
de suas capacidades individuais. Empoderar-se é o ato de transgredir e se
superar. É não viver atrelada a padrões, normas e opressões. É mais do que um
grito de liberdade, mas a ação de questionar e reivindicar. Não submeter-se a
imposições e arbitrariedades. É a sensação de pertencimento de si. Tornar-se
mulher é um ato político e um posicionamento social, que não se restringe ao
enquadramento de papéis sociais ou funções específicas.
Acontece que, nesse
processo de ser, esbarramos com resistências, bloqueios, censores e repressões
que tendem a enquadrar tudo aquilo que não pode ser contido e que precisa
expandir-se. Para isso, os mecanismos de contenção são opressores e lógico,
violentos, porque, são as marcas desta violência que aos poucos calam,
silenciam e tornam o ser invisível. Este é o retrato da vida de mulheres que
tiverem e, infelizmente, têm seus direitos, lugares, valores e reconhecimento
desmerecidos por causa do sistema patriarcal e do machismo.
Debater sobre gênero
tem se tornado cada vez mais difícil, uma vez que as repressões sociais
transferiram para a palavra toda a carga de distorções, deturpando não só o
significado, como criando confusões nas pessoas para enfraquecer os diálogos,
conhecimento e leituras sobre o tema. São os enquadramentos que fortalecem os
discursos de ódio.
De fato, não se
nasce mulher, porque, para tal, é necessária desconstruções, ou seja, a mulher
precisa romper com inúmeros impedimentos, preconceitos e violências, seja ao
seu corpo generificado, exotificado e “coisificado” ou ao seu direto de ser e
fazer aquilo que quiser.
Violência que
remonta séculos de sofrimentos, sujeição, abusos. Séculos de indiferença e
restrições. Anos de violações. E ao homem, o que fica? Repressões sociais e
sexuais? Sim. Também. A grande diferença é que o homem, enquanto gênero
masculino é sustentado por este patriarcado, muito embora os próprios homens
sejam alvos deste sistema, também. Os discursos existentes de diferenciação
atuam para reforçar as normas, desigualdades, ressentimentos e manter certos
privilégios. O feminismo questiona: Afinal, qual o machismo que não nos atinge?
São nessas reflexões
dissidentes de gênero que o feminismo surge, tal qual muitas outras correntes
filosóficas e culturais, que questiona os padrões e coloca em xeque a
heteronormatividade e uma heterossexualidade compulsória. E o feminismo é muito
amplo para levantar-se como uma voz solitária.
Reconhecer o
feminismo é não compará-lo e muito menos, confundi-lo ao machismo. Feminismo é
a oposição ao machismo. O machismo constitui-se em práticas de opressão e
violência, em que a mulher é subalterna ao homem. O feminismo não prega a
subalternidade, mas a equidade entre mulheres e homens.
Prefiro sempre
tratar o feminismo no plural, feminismos. Isso porque, existem perspectivas
diferentes e diferentes mulheres. Realidades diferentes. Por exemplo, a
realidade da mulher branca é muito diferente da negra, que é diferente da
vivida pela indígena e que possui outro contexto das transexuais e que, por sua
vez, estão numa vivência diferente das mulçumanas e assim por diante. Percebem?
O feminismo plurifica as mulheres, enquanto o machismo torna homens
frutos do mesmo lugar.
Os feminismos também
ajudam homens a se libertarem desse patriarcado e de um sistema político que
violenta todos. Entretanto, as heranças do machismo são tão enraizadas e
disseminadas na sociedade, que devemos lutar para não sucumbirmos a elas.
A palavra sororidade
tem origem no latim sororis (irmã) e idad, e diz respeito a um pacto entre mulheres que são reconhecidas entre si
como “irmãs” e no qual essa irmandade une-se por questões éticas, morais,
movimentos sociais e, sobretudo, posicionamentos políticos. Se, por um lado, a
sororidade é um movimento de apoio e união entre as mulheres a fim de
desnaturalizar as opressões vividas por elas e descolonizar-se do sistema
patriarcal, não deve ser usado como ideologia de silenciamento ou igualar
todas. Ter sororidade não coloca as mulheres num único lugar, pois existem
divergências de opiniões e pluralidades que devem ser acolhidas. Sororidade não
deve afastar ou silenciar vozes que emergem.
E, assim, cada um
pegue seu machismo e reveja, reformule, repense o patriarcado e os as questões
sociais que perpetuam o sexismo. Homens muitos reféns do patriarcado deveriam
refutar o androcentrismo, até por que, através dele nos alienamos. Diante do
feminismo e sua representatividade, as mulheres possuem o protagonismo,
enquanto os homens deveriam aprender a desconstruir o machismo, sem interferir.
Breno
Rosostolato - psicólogo e professor da Faculdade Santa
Marcelina (FASM).
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