terça-feira, 29 de março de 2016

Dia da Saúde e Nutrição: avanços e desafios






Dia 31 de março o Brasil comemora mais um Dia da Saúde e Nutrição, cujo objetivo é conscientizar a população sobre a importância dos cuidados com a saúde e a boa alimentação. Um retrospecto dessas duas áreas nos últimos cem anos mostra que o país tem o que comemorar, mas resta muito a conquistar.

No último século as doenças transmissíveis, em especial as diarreias na infância, a tuberculose e as doenças epidêmicas, como a febre amarela, as pneumonias, o tétano e o sarampo deixaram de ser as principais causas de morte no país. A fome, uma tragédia que ainda afeta milhões em muitos países africanos e em zonas em guerra, como a Síria, também deixou de ser um problema de saúde pública no Brasil.

Melhorias na infraestrutura de saúde e das cidades, como a expansão das redes de saneamento básico e a criação do Sistema Único de Saúde, em 1988, e mudanças sociais e demográficas, com destaque para o rápido envelhecimento da população brasileira, fizeram com que no século XXI predominem os problemas de saúde de natureza crônico degenerativa. Hoje, as principais causas de morte no país são as doenças do sistema circulatório, como os infartos do miocárdio e os acidentes vasculares cerebrais (os AVCs ou "derrames"), e os cânceres, além das mortes por causas violentas, como os homicídios e os acidentes.

Do ponto de vista nutricional a fome, uma tragédia do ponto de vista individual, hoje é relevante apenas no discurso político das esquerdas, restringindo-se a poucos bolsões no país. Os problemas nutricionais que adquiriram características epidêmicas no país são a obesidade e o sobrepeso, que constituem fatores de risco para as doenças do sistema circulatório e atingem mais da metade dos brasileiros com 18 anos e mais.

Os AVCs e os cânceres afetam principalmente os mais idosos e o rápido envelhecimento da população brasileira contribuiu para o aumento da mortalidade por essas doenças. São problemas para as quais a ciência já domina todo o ciclo, desde as causas até a prevenção e o tratamento, com exceção de alguns poucos tipos de câncer, que ainda são de difícil tratamento. O grande problema é que o tratamento dessas patologias é caro, envolvendo meios diagnósticos de imagem e laboratório, além de tratamentos cirúrgicos, radioterapia e quimioterapia que algumas vezes são de altíssimo custo.

Para garantir qualidade à quantidade de vida conquistada pela população brasileira são necessárias mudanças estruturais urgentes. A primeira delas é garantir renda na velhice, o que passa necessariamente pela reforma do sistema previdenciário, com regras que retardem as aposentadorias, pois nos moldes atuais, o sistema previdenciário é insustentável. O SUS, que foi um instrumento fundamental na modificação do perfil de morbidade e mortalidade da população brasileira, ao garantir um mínimo de assistência médica de hospitalar a todos os cidadãos, está falido.

O modelo universalista segundo o qual o SUS foi concebido em 1988 foi superado pela realidade e já não encontra respaldo na realidade social e econômica do Brasil atual. O país não tem a riqueza necessária para garantir assistência à saúde integral para toda a população. É hora de assumir que, à semelhança do que já ocorre no campo da educação, é o caso de garantir assistência integral a toda a população apenas em áreas críticas, como vacinação e transplantes, deixando o restante para ser adquirido no mercado privado por aqueles que assim o desejarem, medida necessariamente acompanhada da redução da carga tributária, atualmente exorbitante.

A exceção ficaria para a população de menor renda, com acesso integral ao sistema público de saúde, o que não excluiria a co participação dos cidadãos no pagamento de parte do custo dos procedimentos, como ocorre no sistema público português, um modelo interessante a ser avaliado com coragem pelos legisladores.

O fim da fome no Brasil, e o surgimento de uma multidão indivíduos com obesidade e sobrepeso é resultado de uma série de mudanças sociais ocorridas a partir da década de 1960. Modificações no estilo de vida, com a entrada em massa das mulheres no mercado de trabalho e o consequente consumo de alimentos industrializados prontos e semi prontos, mais o fim das brincadeiras de rua das crianças, substituídas por atividades sedentárias, à frente das telas de TVs, smartphones e tablets, explicam o novo perfil nutricional brasileiro.

O quadro atual de morbidade e mortalidade é desafiador. Sedentarismo e obesidade, junto com o tabagismo e doenças como o diabetes e a hipertensão arterial são problemas associados ao aumento das doenças crônico degenerativas que matam o brasileiro. Os programas federais que favorecem o acesso a medicamentos para o tratamento do diabetes, hipertensão arterial e tabagismo não são suficientes para mudar a situação atual. São urgentes ações educativas estimulando mudanças comportamentais, estimulando a prática de atividade física e a redução na ingestão de sal e de calorias, além das mudanças na previdência social e no sistema público de saúde.      

 

Rodolpho Telarolli Jr. - médico, doutor em Saúde Coletiva e professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp em Araraquara.

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