sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

E agora, José?






“Cadê o rio que estava aqui?” Se ainda estivesse vivo, talvez o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) incluiria, entristecido, essa frase em um de seus poemas.  O motivo está estampado em capas de jornais de todo o país: a tragédia que há três meses assolou a Mata Atlântica mineira, cuja beleza ele tanto homenageou em suas poesias e que sofre a perda de um de seus principais rios na maior tragédia ambiental do país.

De repente, não mais que de repente, a história do Rio Doce tornou-se um pouco amarga para todos aqueles que dele dependem, assim como para todos nós brasileiros, que admiramos sua beleza. No cenário, o que antes pareceria impossível, tornou-se uma dura realidade: peixes mortos pelo caminho, mau cheiro, matas ciliares devastadas e a fauna, que era composta por diversas espécies, deram lugar para rejeitos minerais tóxicos.

Você já imaginou o que aconteceria se as águas de um importante rio de sua cidade simplesmente não pudessem mais ser utilizadas? E como reagiria se a sua cidade tivesse a paisagem drasticamente transformada?
Milhares de brasileiros por onde passa o Rio doce ainda estão procurando essas respostas: de onde tiraremos água para beber? E quem vive da pesca, fará o que a partir de agora? Será possível voltar a tirar da terra o sustento que a lama levou? As espécies atingidas pela lama desapareceram para sempre? O meio ambiente vai se recuperar?

São questionamentos difíceis que surgem para se somar a tantos outros agora presentes na vida dos moradores das comunidades atingidas. Além das memórias apagadas, do nada, não será mais possível viver nos locais atingidos. Não é uma tarefa fácil se questionar como se reconstruirá uma cidade, com tudo que há de vivo nela. A rotina de seus ex-moradores não será mais a mesma, nem seus lares, nem seus trabalhos, nem suas vidas. E agora?

A natureza não sabe fazer perguntas como nós, mas tem respostas claras e diretas para o que fazemos com ela.  Ainda não é possível saber ao certo o que acontecerá ao longo dos mais de 500 km de rio atingidos pela lama de rejeitos químicos provenientes de mineração. Também não sabemos como iremos devolver às pessoas seus estilos de vida na região. Porém, o aviso automático do meio ambiente até agora foi triste, mas claro: o Rio Doce, hoje, está morto. As áreas próximas atingidas também.

Sabe aquela sensação de oportunidade perdida que vez ou outra temos na vida?  Talvez seja esse o sentimento mais adequado a todos nós brasileiros agora. Não soubemos aproveitar o rio e também não fomos capazes de cuidar dele.

O Rio Doce, agora, só sobrevive na memória de quem o conheceu e nos poemas e canções que ele inspirou. No ano que vem, as águas de março vão fechar o verão um pouquinho mais tristes no Brasil, que viu uma enxurrada levar uma de suas inúmeras comunidades.

Como dizia o pacifista Mahatma Gandhi, “se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova.” Então, fica um convite a você: a água já fez muito pela humanidade, que tal descobrir o que cada um de nós pode fazer por ela?

Malu Nunes - diretora-executiva da Fundação Grupo  Boticário de Proteção à Natureza.

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