quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Cabelo Black Power ainda gera preconceitos


Em plena semana da consciência negra, autora fala sobre importância do empoderamento infantil
Mesmo com muitos avanços sociais e em pleno ano de 2015, ainda não é dificil escutar e ler matérias sobre pessoas negras que, infelizmente, sofreram preconceito por conta da cor de pele e de características físicas, como o cabelo afro.  Difícil para os adultos, o tema é ainda mais sensível a crianças, que não conseguem entender essa relação de preconceito racial. É justamente para ajudar os familiares, e a sociedade em geral, a tratar sobre um tópico tão importante, que a arte-educadora paulista Kiusam de Oliveira, de 48 anos, escreveu o livro 'O Mundo no Black Power de Tayó', que narra a história de uma criança negra, que sente muito orgulho de seu cabelo black,m adora enfeitá-lo e exibi-lo, mas, sofre com o preconceito dos colegas da escola. 
A situação, contada de forma lúdica na obra, pode ser bem traumática na vida real. “A ideia surgiu das minhas próprias experiências enquanto menina negra, e, depois, como professora. Estas crianças sofrem demais com os xingamentos que recaem sobre a cor da pele e suas características físicas”, afirma Kiusam, uma das estudiosas que trabalhou na implementação da lei 10.639 – que regulamenta o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas. 
Ninguém quer ver um filho seu sendo alvo de piadas na escola. E isso não é diferente com uma criança de cabelos crespos. Já imaginou um professor ou diretor de escola aconselhar uma mãe a alisar o cabelo de sua filha ou filho, por causa da represália dos coleguinhas? Isso infelizmente acontece em escolas da Grande São Paulo e de todo o país.
Ao invés de reprimir o bullying, acontece o contrário: a repressão da estética da criança. Os pais não devem considerar isso certo. 
Não se deve aceitar essa repressão que tenta impor um padrão para que as crianças sigam uma estética ideal para todos. O cabelo crespo deve, sim, ser defendido como a identidade da criança, e a mãe precisa se emponderar diante dessa questão.
Mas como lidar?
É preciso antes verificar o que está acontecendo com a filha ou o filho e o que ela ou ele vem sofrendo dentro da escola. É o que orienta a doutora em educação e escritora Kiusam de Oliveira. Esse é o primeiro passo para que, junto com a direção da escola, possa ser pensada uma maneira mais adequada de lidar com a situação. “A escola é um ambiente que permite a convivência entre crianças de várias raças, culturas e níveis socioeconômicos, devendo dispor de projetos pedagógicos que visem o trabalho com a diversidade e o respeito, sem se tornar conivente com o preconceito silencioso. A mãe pode e deve cobrar um posicionamento da escola em relação a isso”, afirma a especialista. 
Em casos em que a criança demonstre estar com a sua autoestima afetada e não queira mais ir à escola ou apresente queda no rendimento escolar, a profissional recomenda que a mãe procure orientação e acompanhamento profissional.
Mas orientar a criança dentro de casa e reafirmar a identidade pessoal que ela tem também é fundamental. Kiusam de Oliveira explica que a mãe deve ajudar a criança a se ver como é, aprender a respeitar a imagem que tem de si e, principalmente, servir como modelo que confirme tudo isso, demonstrando consciência e respeito pela diversidade e falando abertamente com seu filho sobre as situações de preconceito vividas e como ela mãe, ou ele pai, conseguiram e conseguem se sobrepor às pressões externas, por exemplo.
"Afinal de contas, a formação da identidade acontece dentro de casa, e é a convivência com pessoas que a amem e a apoiem  que fará com se sinta bonita e aceita como é, desenvolvendo uma autoestima estável ficando menos propensa a sofrer a influência da mídia e dos padrões de beleza impostos pela sociedade".
Ela mesmo, recorda, passou maus bocados. Ouviu piadinhas e apelidos, teve seus momentos de crise e desejos de uma cabeleira com balanço, mas aprendeu a lidar com seu black. E resolveu problematizar o tema. “São coisas que eu ouvia lá nos anos 70 e que ainda estão bem vivas no século 21”, pontua.  

Uma das motivações para falar sobre cabelo, diz Kiusam, é o fato de notar que, cada vez mais cedo, as crianças são submetidas processos como escovas e alisamentos para se adequar aos padrões. E é no ambiente escolar, destaca, que elas são inicialmente confrontadas com o racismo. Aí vê as  críticas  e a falta de preparo dos educadores ... Kiussam destaca que não é incomum  casos de professoras mudarem os penteados que as mães fazem em casa nas crianças, por consideram os cabelos naturais desarrumados.

É um livro para crianças, pais, mães e professores. Infelizmente, ainda estamos à mercê de uma educação extremamente racista. Precisamos dizer às crianças como elas são bonitas e inteligentes. É assim que elas desenvolvem  autoestima. E o cabelo, neste contexto, é muito importante”, diz Kiusam.

Mestre em psicologia e doutora em educação, Kiusam também é autora de Omo-Oba - História de Princesas (2009), que fala sobre seis princesas africanas e recebeu prêmio da Fundação Nacional.
       
Estética do livro 

Para ilustrar uma história que fala, sobretudo, sobre beleza, a artista plástica Taisa Borges (Frankenstein em Quadrinhos) usou e abusou das cores fortes e de uma atmosfera fantasiosa, em desenhos em gauche sobre papel. “Fiz muitas imagens até chegar onde a autora queria. Todo trabalho que faço vejo como um aprendizado. Com esse aprendi sobre respeito, troca, autoestima, cor, estamparias, pessoas, bichos e plantas”, afirma.

Com um cabelo black enorme, Tayó (palavra em iorubá que significa “da alegria”) brinca de enfeitá-lo com flores, borboletas, fios de lã coloridos... Afinal, descontrói a autora, o cabelo da garota é do tamanho da sua imaginação. Nele, ela poderia carregar o mundo. A autora também usa o cabelo crespo para falar de história e tradição, e reforçar que ele é uma das marcas mais fortes da herança negra.


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