No
pertinente aos direitos do homem, as constituições contemporâneas das mehores
democracias costumam consagrar três modalides de cláusulas: (a) de primeira
geração, as liberdades oriundas das revoluções liberais, inscritas nos incisos
do art. 5º de nossa Consituição; (b) as de segunda geração, pertinentes aos
direitos do homem trabalhadores e direitos sociais; (c) os de terceira geração,
a começar das normas protetivas do meio ambiente e outras garantias do
desenvolvimento sustentável.
No
plano dos direitos constitucionais trabalhistas, uma cláusula, denominada de
proibição de retrocesso, merece séria meditação, mormente nos momentos de
crises e políticas de austeridade. Tem a cláusula o relevante significado de
que nenhum direito trabalhista consagrado na Constituição de um país pode ser
objeto de retrocesso, de redução de valores, modificações prejudiciais aos
trabalhadores ou extinção.
Assim,
seriam equiparados aos direitos de primeira geração, às clássicas liberdades
dos homens em face do Estado, de negação a este de opressão de predicamentos
elementares, como o direito de ir e vir, universalmente consagrado e que jamais
se pensa em restringir, salvo por governos de exceção, ditatoriais, sobre
protestos da ONU e de outros países e à margem do direito. Essencialmente, não
se admite que se retire do trabalhador aquilo que foi por ele conquistado na
Constituição de sua nação.
Portugal, que
consagrou tal cláusula em seu diploma constitucional, sofreu forte pressão dos
demais países integrantes da Comunidade Européia, que impuseram como requisito
de seu ingresso na Comunidade a extirpação da cláusula de sua lei maior. O
argumento é de que crises recessivas não podem ser combatidas sem restrição de
direitos trabalhistas. Portugal cedeu, sob pena de permanecer fora da
Comunidade e a recente crise levou não só Portugal, mas a Espanha, Grécia e
outros, a retroceder em seu direito constitucional do trabalho, o que, entre
outras medidas prejudiciais ao povo, o levou às ruas em protestos de altas proporções.
O
Brasil não tem a cláusula de proibição do retrocesso trabalhista na
Constituição de 1988, mas vários julgados de nossos Tribunais invocavam
analogicamente a Constituição Portuguesa, para evitá-lo, em condições normais.
O emérito constitucionalista lusitano, Gomes Canotilho, amiúde invocado nas
decisões de nosso Supremo Tribunal Federal, aplaude a cláusula, mas não deixa
de observar seu condicionamento político inescapável dos embates ideológicos, o
que torna o princípio ainda fragilmente consolidado, em construção.
De
nossa parte, consideramos que o direito do povo trabalhador não pode ser
inferiorizado ao direito do povo cidadão. A proibição de retrocesso, como o
nome diz, não significa que direitos trabalhistas devem tomar corpo em proporções
tais que não possam ser assimilados pelo empresariado e pelo Estado; mas,
tão-somente, que as recessões, geralmente de responsabilidade de governos
perdulários, corruptos ou ineptos, não pode ser combatidas em sacrifício dos
mais pobres e obreiros, ao passo em que os providos de alguma fortuna,
sobretudo os políticos, geralmente não sentem na carne os efeitos das medidas
de contenção de despesas.
No
mundo de hoje, em que não faltam potenciais de riqueza e desenvolvimento,
comumente a causa das recessões, da inflação e outros males econômicos reside
na inanidade, irresponsabilidade e desonestidade dos governos, como se
verificou em Portugal, na Espanha, Itália, Grécia e, agora, no Brasil, campeão
da demagogia, segundo a qual jamais seríamos atingidos no jogo internacional,
em que acabamos por ser derrotados por vergonhosos 7 a 1.
No
momento, a proposta do governo, que fez juras de amor aos trabalhadores na
campanha eleitoral, trilha o caminho do aperto fiscal, do aumento de impostos e
da redução dos direitos trabalhistas. Entre estes últimos, a
medida mais cruel é a extinção da vitaliciedade da pensão por morte no
regime geral da previdência social, que fica por tempo determinado, sendo
extinto quando, por exemplo, uma mulher idosa e incapaz de enfrentar o mercado
de trabalho, vê-se repentinamente desprovida do benefício previdenciário aos 50
ou 60 anos de idade, restando-lhe apenas a sucumbência social; isso para manter
o equilíbrio das contas previdenciárias, ao passo em estamos cansados de saber
que o deficit da previdência se deve a uma imensa máquina instrumentalizada, em
que as despesas das atividades-meio, o custeio de sua administração, supera o
montante dos benefícios; e que suporta o privilegiado sistema público de
previdência, em que, por exemplo, juízes pilhados em falcatruas são
aposentados compulsoriamente sem prejuízo de seus vencimentos integrais. Para
eles, vige a cláusula da proibição de retrocesso.
Daí
porque são justos os protestos contra governos que impuseram sacrifícios
inesperados àqueles que vivem de seus salários para comer, morar, vestir-se,
possibilitar transporte a seus filhos para escolas públicas, em especial quando
foram escandalosamente enganados por propagandas de governos que fizeram o
diabo para reelegerem-se.
Amadeu Garrido de Paula - advogado especialista
em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho
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