quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

“Independência e harmonia de poderes”




No torvelinho estressante em que mergulharam as relações entre Executivo e Legislativo no Brasil, para eleições dos Presidentes das Casas do Congresso Nacional, nunca se falou tanto em independência e harmonia dos poderes. O sistema de equilíbrio dos poderes estatais intuído por John Locke e sistematizado pelo Barão de Monstesquieu, constitucionalizado no Brasil, esteve presente em quase todas as vozes dos políticos. Como se esse sistema, que se tentou materializar sob a expressão "freios e contrapesos" ou "checks and balances", tornasse menos grave o significado das dissenssões políticas entre os chefes dos poderes. Se tudo terminasse harmonicamente, a discussão seria bizantina.
Vejamos que não é bem assim. Aqueles ilustres teóricos do Estado e da Política viveram no momento do idealismo filosófico. Hegel falava também numa tríade do espírito, tese, antítese e síntese, que se complementam no envolver da história em sua sina determinista e harmoniosa. Marx não foi menos metafísico, motivo que determinou a esterilidade de sua proposta como  solução dos problemas do proletariado.
Independência é liberdade para decidir e fazer. Alguém que trabalha sob subordinação empregatícia não realiza sua vontade empresarial; executa as ordens, se tem juízo. Ao contrário, nenhum dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) estaria vinculado ao outro, sob esse sistema impecável. Não é, porém, o que presenciamos na prática deste nosso Brasil, País à beira de um ataque de nervos. A verdadeira independência começaria nas eleições dos respectivos comandos dos poderes. Claro que não foi isso que presenciamos nas eleições do Senado e da Câmara. O governo do PT lança às calendas gregas o respeito pela independência do Congresso. Para simplificar, fiquemos em dois exemplos: o mensalão e as presentes eleições. Dinheiro, cargos de primeiro e segundo escalão, distribuição de ministérios, que são tantos em ordem a possibilitar sua distribuição a mancheias para conquistar aliados, etc, faz dessa independência o espasmo metafísico do pensamento reinante no momento de sua origem doutrinária. A independência só existe na visão dos ilustres ingleses.

Harmonia, se não significa marchar abraçados, tem, pelo menos, o sentido de não inviabilizar o exercício do poder. Harmonia que, não raro, se estilhaça. Não são poucos os exemplos em que essa harmonia se converte em confronto de mísseis. É que há, no mínimo, dois métodos para se conseguir a harmonia política. O primeiro é o da prevalência do interesse nacional, do interesse exclusivo do povo, movido por sentimento patriótico. Implica em que um dos poderes renuncie a um conflito e a princípios em nome do que mais convém aos interesses da maioria nacional. É raro, principalmente quando estão em jogo interesses corporativos, do qual o denominado "orçamento impositivo", a ser votado hoje, para concretizar as emendas parlamentares (dinheiro a seus rincões), ainda que contrariamente à vontade do Executivo. Em que ponto reside a harmonia no qualificativo "impositivo"? A outra maneira de se promover a idealista harmonia é antípoda à nobreza da primeira. Não se renuncia à nada. Vendem-se as supostas convicções. Entra em cena a política torpe das barganhas. Essa harmonia é mais real, mais próxima da natureza humana e, por óbvio, não vislumbradas pelos ilustres pensadores que formularam o sistema. Vendem-se dificuldades para ganhar facilidades. Em nosso país, o Partido que ficou com as duas casas congressuais é o mais fisiológico de todos. Isto posto, a justificativa da Presidente Dilma de que não aceitava a candidatura de Eduardo Cunha porque se tratava de um político fisiológico foi canhestra, como, de resto, a maioria de suas condutas. Com Michel Temer e o partido do comércio político em seus calcanhares...

A cúpula do Judiciário (STF e TSE) também não foge à regra, embora a todo momento os ministros estejam lembrando o princípio organizativo do poder em seus acórdãos. Em menor escala, porquanto exercem um poder vinculado às leis, enquanto os demais são discricionários, é dizer, o Judiciário é aplicador das leis, enquanto Executivo e Legislativo são executores das políticas públicas e realizadores das leis. Não obstante isso, o STF, por exemplo, está distante de produzir decisões que possam, segundo o entendimento da maioria de seu Colegiado, acarretar graves problemas ao Estado e à nação. Não fazem justiça, ainda que o mundo pereça, como diziam os romanos: "Fiat justitia, pereat mundus". Há lógica nessa cautela, desde que seja cautela e não conveniência pessoal ou partidária.
Em suma: tanto poderemos ter, com a eleição de Eduardo Cunha, um Executivo menos centralizador e incontrastável, vergando-se às posições congressuais em torno de políticas outras, como ter mais mensalões e petrolões e tudo continuar como dantes no quartel de Abrantes.

Amadeu Garrido de Paula - advogado especialista em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho.

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